segunda-feira, setembro 29, 2014

Focus - Ennio Morricone & Dulce Pontes (2003) - Sobre A Infinitude Em Si Mesmo.



Quando a voz e a harmonia dos instrumentos se encontram num ponto convergente, neste momento, o céu toca o mar. É, então, como se o Gênesis se repetisse no olhar e nos lábios dos amantes, e cada toque despertasse a vida na Terra estéril e cansada. É como olhar para a sua vida e perceber-se pronto para deixa-la. É como conhecer a si mesmo e abraçar o que em si há de dionisíaco e apolíneo.

Deixe o som rolar...

Nesse momento que, ao ouvir A Música, os olhos enchem-se, inexplicavelmente, de lágrimas que têm, ao mesmo tempo, uma origem desconhecida e familiar; e aquele vazio essencial que nos preenche está, então, estranhamente, mais denso que o normal.

Nenhum amor ou felicidade, nenhuma beleza: apenas o contemplar surge como possibilidade de plenitude. E descobrimos que estivemos andando pela vida como sombras, sem rumo e sem motivos, apenas esperando o momento de parar e ouvir a canção certa, que te tiraria das ilusões de criança e te mostraria que o mundo, ao mesmo tempo em que é trágico e caótico, torna-se parte de nós mesmos.

O conhecimento desta verdade despoja-nos de vaidade e deixa-nos prontos para abraçar uma eternidade na inexistência. Viver torna-se, então, a maior experiência de todas, por ser a primeira, única e última.


Ao ouvir Ennio e Dulce, percebe-se que amar nada mais é que projetar-se no outro na esperança de que, ao amá-lo, possamos amar a nós mesmos. Buscar de todas as maneiras estar pleno e maduro antes de cair e sumir, tornando-se nada mais que o substrato onde nova vida há de surgir.

Em tudo isto, com tudo isto, por tudo isto reside a beleza de “Focus”, a colaboração entre Dulce Pontes e Ennio Morricone. Enquanto Ennio sonda as profundezas, Dulce voa – e o casamento entre eles gera um dos discos mais belos de todos os tempos. Lançado em 2003, o encontro entre o Maestro e a primeira dama do Fado dá-nos um labirinto de beleza, cores e texturas múltiplas.

Se a obra de Morricone é rica e complexa por si só, com a voz de Dulce mais camadas são acrescentadas – tanto em superfície quanto em profundidade. “Focus” é uma obra multissensorial e multidimensional: tempo e espaço deixam de fazer sentido. A música deles fala-nos diretamente à alma com poesia, verdade e beleza, tocando com sutileza e pureza o que mora em nosso âmago.


Este é um daqueles discos que você precisa escutar de vez em quando para lembrar-se da sua pequenez diante da eternidade. É como ver o mar e o céu. É como amar. É como conhecer-se antes de, finalmente, estar pronto para morrer.

Selo Infinitude Em Si Mesmo.
Boa viagem.

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