Quando a voz e a harmonia dos instrumentos se encontram num
ponto convergente, neste momento, o céu toca o mar. É, então, como se o Gênesis
se repetisse no olhar e nos lábios dos amantes, e cada toque despertasse a vida
na Terra estéril e cansada. É como olhar para a sua vida e perceber-se pronto
para deixa-la. É como conhecer a si mesmo e abraçar o que em si há de
dionisíaco e apolíneo.
Deixe o som rolar...
Nesse momento que, ao ouvir A Música, os olhos enchem-se,
inexplicavelmente, de lágrimas que têm, ao mesmo tempo, uma origem desconhecida
e familiar; e aquele vazio essencial que nos preenche está, então,
estranhamente, mais denso que o normal.
Nenhum amor ou felicidade, nenhuma beleza: apenas o
contemplar surge como possibilidade de plenitude. E descobrimos que estivemos
andando pela vida como sombras, sem rumo e sem motivos, apenas esperando o
momento de parar e ouvir a canção certa, que te tiraria das ilusões de criança
e te mostraria que o mundo, ao mesmo tempo em que é trágico e caótico, torna-se
parte de nós mesmos.
O conhecimento desta verdade despoja-nos de vaidade e
deixa-nos prontos para abraçar uma eternidade na inexistência. Viver torna-se,
então, a maior experiência de todas, por ser a primeira, única e última.
Ao ouvir Ennio e Dulce, percebe-se que amar nada mais é que
projetar-se no outro na esperança de que, ao amá-lo, possamos amar a nós
mesmos. Buscar de todas as maneiras estar pleno e maduro antes de cair e sumir,
tornando-se nada mais que o substrato onde nova vida há de surgir.
Em tudo isto, com tudo isto, por tudo isto reside a beleza
de “Focus”, a colaboração entre
Dulce Pontes e Ennio Morricone. Enquanto Ennio sonda as profundezas, Dulce voa –
e o casamento entre eles gera um dos discos mais belos de todos os tempos.
Lançado em 2003, o encontro entre o Maestro e a primeira dama do Fado dá-nos um
labirinto de beleza, cores e texturas múltiplas.
Se a obra de Morricone é rica e complexa por si só, com a
voz de Dulce mais camadas são acrescentadas – tanto em superfície quanto em
profundidade. “Focus” é uma obra multissensorial e multidimensional: tempo e
espaço deixam de fazer sentido. A música deles fala-nos diretamente à alma com
poesia, verdade e beleza, tocando com sutileza e pureza o que mora em nosso
âmago.
Este é um daqueles discos que você precisa escutar de vez em
quando para lembrar-se da sua pequenez diante da eternidade. É como ver o mar e
o céu. É como amar. É como conhecer-se antes de, finalmente, estar pronto para
morrer.
Selo Infinitude Em Si Mesmo. |
Boa viagem.
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