A vida na cidade é um mal necessário. Não nos resta mais a opção de correr para as colinas, pois elas não existem mais. Já não há mais, para nós, nem mesmo a opção/desculpa/justificativa da ignorância, pois nós sabemos de tudo o tempo inteiro.
Telefones na mão, registramos tudo o que há de bom e de ruim na humanidade. Através da internet, penetramos na intimidade uns dos outros de tal maneira que já não sabemos mais se somos nós ou os outros. O anonimato nos dá poderes sem responsabilidade, e a indiferença cresce à uma velocidade proporcional ao desenvolvimento das novas tecnologias.
O bem e o mal mesclaram-se de tal maneira que os vilões agora tornaram-se mais interessantes e carismáticos que os heróis. O antigo conceito dual de moralidade foi trocado por uma fria neutralidade, transformando as relações entre as pessoas em status de perfis superficiais. Nem as fotos nem as lembranças são verdadeiras, mas montagens fingidas de felicidade comprada.
Tudo isso e muito mais nos é dito no álbum "O Deus Que Devasta Mas Também Cura" (2012), de Lucas Santtana. Fala-se de amor nos tempos de indiferença, fala-se de fazer música, fala-se de tomar banho de mar... o sotaque de Lucas nos arrasta para sua visão meio alienígena das caóticas cidades onde ninguém mais mora, mas pernoita.
A faixa que dá título ao disco, "O Deus Que Devasta Mas Também Cura", fala justamente desse caos organizado que infecciona as cidades e seus habitantes, transformando o mundo numa megalópole condenada a perecer ante à fúria do novo Deus, o progresso desenfreado a qualquer custo; "Músico" trata do labor daquele que cria e vive de música; "Jogos Madrugais" fazem um retrato aflito e denso de uma relação sexual; "Se Pá Ska S.P." trata da eterna solidão de estar em São Paulo, não interessa quem você seja; "Ela É Belém" é uma ode à bela cidade morena de Belém; "Vamos Andar Pela Cidade" é um tema instrumental meio alegre e meio triste que ilustra o vaguear solitário pela cidade - seja dia, seja noite, seja madrugada; “Dia de furar onda no mar” fala daquela manhã de domingo em que você sai juntando seus amigos para ir à praia e somente curtir. "O Paladino E Seu Cavalo Altar" é versão de "This Is Not The Fire", da banda inglesa My Tiger My Timing, e conta a história do Cavaleiro Paladino e de seu cavalo Altar numa aventura medieval(dãaaa!).
Reservei um parágrafo para cada uma das duas maiores belezas desse disco:
"É Sempre Bom Lembrar": a história de um amor que vem cansado, mas que tem história, e que não pode/deve ser esquecido; e
"Para Onde Irá Essa Noite": Ah, essa merece um conto. Mas não hoje. Hoje deixo vocês com o clipe de uma das músicas nacionais mais bonitas e bem executadas que já ouvi.
A música é linda e fala por si. O clipe é tão perfeito que... meu, não tem como ser tanto.
Estamos passando por uma mudança de eras e de ares, e é preciso que saibamos como agir neste mundo cada vez mais caótico e indiferente. Por tudo isso, Lucas mostra-se como um artista atual e rico, cheio de histórias da cidade para contar - histórias que nos fazem refletir e repensar sobre nosso papel enquanto Homus urbanus. Daque para a frente, não sabemos o que poderá acontecer; mas mesmo assim, agiremos. E se agirmos, é melhor que seja com músicos e músicas como Lucas Santtana.
Dito isto e nada dito, deixo aqui minha dica de hoje. Espero que curtam.
Abraços do Ladrão de Almas.
* * *
Filho do produtor musical e tropicalista Roberto Sant'Ana, graças ao pai cresceu no meio artístico, frequentando a casa de Caetano Veloso entre outros; seu pai é primo do cantor e compositor Tom Zé.
Seus instrumentos são a guitarra e o violão, mas também toca flauta transversa, baixo e cavaquinho. Como instrumentista colaborou com Chico Science e Nação Zumbi, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Marisa Monte. Suas músicas já foram gravadas por nomes como Céu, Marisa Monte e Arto Lindsay. Tem canções nas trilhas sonoras de filmes como Deus é Brasileiro, de Cacá Diegues, e Surf Adventure 2, de Roberto Moura, e assina a trilha do longa-metragem de animaçãoMorte e Vida Severina, ao lado de Rica Amabis, e do monólogo O Bispo, encenado pelo ator João Miguel. (Wikipedia)
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