quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Post Tropical - 2014 - James Vincent McMorrow, ou: Eu lembro de meu primeiro amor.



Eu lembro do meu primeiro amor. Tinha cheiro de chuva numa manhã de domingo, de maresia à beira mar, de areia molhada na orla de uma floresta. Eu passava a aula inteira imaginando como seria beijar a curva suave de seu pescoço - e seu sabor -, e de como seria eu e ela andando por ruas arborizadas, de mãos dadas.

Eu, em minha inocência de adolescente, satisfazer-me-ia em apenas estar abraçado a ela. Sonhava os dias e as noites com ela dizendo que me amava, e fazia planos para o futuro quando nossas vidas estivessem cruzadas, e filhos e netos à beira da piscina em nosso sítio. Envelhecer juntos e morrer.


*   *   *

Bem, a vida prega peças interessantes. Uma destas peças é o disco novo de James Vincent McMorrow, "Post Tropical". Ao ver a capa do disco e o título do álbum, algo em mim se revoltou e se assustou. Pensei: "Puxa, será que o McMorrow vai endoidar igual ao Paolo Nutini em 'Sunny Side Up'?". 

(Curioso é que o Felipe Pereira pensava do mesmo jeito que eu).

Mas, vamos. Aí eu pensei: Lá pela terceira audição do Nutini eu me apaixonei pelo disco, e ficou tudo bem. Daí eu decidi me arriscar com o McMorrow e seu "Post Tropical", e... bem...

O DISCO É MARAVILHOSO.

A sonoridade dele, cheio de pequenos brilhos e lampejos de sintetizadores e glitches, a presença minimalista de sons eletrônicos, a voz dele aparecendo de mil maneiras diferentes... a versatilidade da voz de McMorrow - rouca, aguda, baixa, sussurrada, gritada em desespero... o acompanhamento contido dos instrumentos, a paixão explosiva e extasiada... 


"Post Tropical" reverberou de maneira tão profunda em minha existência pré 32-anos que eu me rendi inteiramente a ele e acabei elegendo-o como um dos melhores discos de 2014. A simplicidade do trabalho, as cordas que lembram o barulho de ondas, a voz de McMorrow que soa como brisa à beira mar... é tudo tão colorido e tão sutil, tão cheio de belezas escondidas à mostra que você se vê ali, rendido, perdido diante da audição. 

Você se vê sorrindo ou chorando suavemente ao fim de cada faixa, concordando com o refrão de "Cavalier", a faixa que abre o disco: "Eu me lembro do meu primeiro amor".

"Post Tropical" revela-se como uma metáfora da vida adulta, onde o "Tropical" seria justamente aquela fase de exuberância e sede que se dá entre os dezoito e os trinta anos. O pós-tropical é a época que vem trazendo uma serenidade agitada que vai se instalando, lentamente, junto a um silêncio tranquilo recém descoberto e a um olhar mais atento aos detalhes, onde você acaba se vendo mais propenso a observar do que a dizer.

Você se descobre um jovem homem velho, com uma perspectiva estranha sobre a vida que viveu e a vida que lhe resta, avaliando suas conquistas e seus amores - passados, presentes e futuros. Você tem sonhos mais pé-no-chão, tem objetivos mais claros, não quer perder tempo com bobagens.

O trabalho mais recente de James Vincent McMorrow vem em tons de azul, laranja e lilás - tons de uma tarde que se aproxima do fim, mas que ainda vai durar umas boas horas antes do anoitecer. Até lá, com os pés na água, busca-se relembrar, com amarga doçura e uma certa saudade culpada, o primeiro amor.

*   *   *

Certo, a vida nos prega peças interessantes, e eu achei os amores da minha vida - que estão em casa comigo agora. Às vezes, mergulho nos caminhos nebulosos do passado na tentativa de ver minha caminhada com olhos mais experientes, e logo percebo a inutilidade deste gesto. Mas não deixo de sorrir.

E, ainda assim, lembro de meu primeiro amor.

Obrigado, McMorrow, por este fim de tarde que se aproxima em forma de música.

Cinco luas, por favor.



Até a próxima, amantes de música e do 01PD.



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