quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Um Amigo Virtual Melhor que "ela"





A charmosa assistente automatizada do novo filme de Spike Jonze não é realística. Mas se projetados cuidadosamente, assistentes computadorizados poderiam nos tornar pessoas melhores.


Indicado ao Oscar de Melhor Filme deste ano, um escritor de meia-idade chamado Theodore Twombly instala e rapidamente se apaixona por um sistema operacional com inteligência artificial que se chama Samantha.

Samantha está muito além da falsa "inteligência artificial" do Google Now ou da Siri: ela é total e claramente tão consciente quanto qualquer ser humano. O diretor e roteirista do filme, Spike Jonze, usa esta premissa para fins limitados e prosaicos, por isso o filme paira um vale misterioso, nem tão crível quanto a realidade de um futuro próximo, nem filosoficamente ousado o suficiente para suscitar descrença. No entanto, levanta questões sobre como os seres humanos podem se relacionar aos computadores. Twombly está sofrendo depois de uma dolorosa separação, Samantha pode fazê-lo se sentir melhor?

A consciência de Samantha não reflete as tendências reais para os assistentes automatizados, que estão caminhando em uma direção muito diferente. Fazer assistentes pessoais tagarelas e paqueradores, seria um enorme desperdício de recursos e a maioria das pessoas iria acha-los tão irritantes quanto o (não)famoso Clippy da Microsoft.

Mas isso não implica necessariamente que essas qualidades seriam indesejáveis em um contexto diferente. Quando pessoas que sofrem de demência e estão internadas em hospitais psiquiátricos são convidadas a se relacionar com filhotes de foca robô – e uma lista crescente de condições psiquiátricas está sendo tratada com diálogos automatizados e sessões de terapia – é uma questão de tempo até que alguém tente criar um aplicativo que ajude as pessoas a superar a solidão comum. Suponha que chegamos ao ponto em que é possível sentir-se genuinamente interessados em papear com um pedaço de software. O que isso significa para os humanos?

Talvez essa perspectiva pareça absurda ou repugnante. Mas algumas pessoas já se consolam com a imersão na vida dos personagens de ficção. Embora eu estremeça quando ouço alguém dizer que "meu melhor amigo na infância Elizabeth Bennet", ninguém consideraria isso como uma prova de ilusão psicótica. Ao longo dos últimos dois séculos, as percepções tradicionais sobre a leitura de romances mudaram completamente: uma vez vista como uma ameaça à moralidade pública, tornou-se um símbolo de empatia e sofisticação emocional. Hoje, é raro ouvir alguém reclamar que a ficção está minando seus leitores de tempo, energia e recursos emocionais que deveriam ser dedicados a relacionamentos reais.

Claro que personagens dos romances de Jane Austen não conseguem brincar com o leitor – e não cabe aqui questionar se seria uma farsa, se eles pudessem – o que eu estou imaginando não são personagens de ficção "trazidos para a vida", ou até mesmo personagens de um mundo de jogos que pode ter um diálogo mais realista com os jogadores humanos. Um software interlocutor – um "SI" – exigiria algum tipo de história por trás dele e uma "vida" própria, mas esses elementos não precisam ter sido escolhidos como parte de qualquer grande arco dramático. Fascinante quanto possa ser assistir a um barão egoísta drogado à beira da morte, ou Raskolnikov sendo involuntariamente arrastado em direção à ideia de redenção do seu criador, a SI ideal seria mais como um amigo à distância, vivendo uma vida normal intocado por esquemas autorais grandiosos, mas prontos para discutir qualquer coisa, desde o mundano para o metafísico.

Existem alguns perigos óbvios a se evitar. Seria desastroso se o usuário realmente caísse na ilusão da personalidade, mas a maioria de nós consegue manter uma distinção clara em outras formas de ficção. Um SI que respondesse a fantasias patológicas de relacionamentos abusivos seria uma coisa venenosa – mas por outro lado, um que resistisse a tentativas de manipulação ou coerção poderia até fazer algum bem.

A arte da conversa, da escuta atenta e da resposta pensada não é um dom universal, mais do que qualquer outra habilidade. Se um dia for possível aprimorar as habilidades de conversação com um computador – descobrir seus pontos fortes e fracos enquanto desfrutando de uma conversa com um personagem que não é menos interessante por não existir – isso poderia levar a melhores conversas com outros seres humanos.

Mas talvez esta seja uma visão otimista demais de onde o mercado se encontra, autoconhecimento pode não ser o chamariz de venda mais forte. O lado escuro que ela nunca realmente aborda, apesar de um breve finta inconstante em sua direção, é que um dia poderíamos dar nosso coração a uma voz encantadora em um fone de ouvido, só para desabar ao se dar conta da verdade que estávamos nos relacionando emocionalmente com o vazio.

Via MIT Tecnhology Review (Trad.: AssisOliveira)

2 comentários:

  1. http://www.suicidios.org/56kb/DISK-141-SOS-AJUDA-PrevencaoDoSuicidio-O-TELEFONE-PARA-DESABAFAR.html seria talvez um sucessor de serviços como esse

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