quarta-feira, outubro 16, 2013

Blues - Jimi Hendrix, ou: Exploda em milhões de pequenos estilhaços ácidos e cortantes.

Dia 289.

Quando a tristeza se confunde com a raiva e a frustração, é preciso achar uma válvula de escape para não explodir.


Há alguns anos meu amigo Assis Oliveira, mestre e guia, me mostrou este disco numa das - sempre agradáveis e instrutivas - visitas de domingo. Eu entrei em êxtase. Um garoto como eu, que jamais havia se aventurado demais para longe do mainstream, via-me idolatrando o deus da guitarra.



Junte Jimi Hendrix e Blues, misture bem, deixe fermentar e exploda em milhões de pequenos estilhaços ácidos e cortantes.

Esta é uma coletânea de 1994. A guitarra de Jimi é visceral e autêntica. Sua música se derrama como lava, espalha-se como chama.

Voa como faísca no vento - que pode se apagar ou causar incêndios.

"Hear My Train A Comin'" abre o disco de maneira espetacular. Uma versão acústica, pura, verdadeira, sofrida... mortalmente traz em si a espera pelo trem que te levará daqui - e que te separará deste lugar. Ir, ficar... fugir, enfrentar, abrir mão...

Tanto faz.

"Born Under A Bad Sign" é uma das pedras preciosas do Blues. Jimi transforma o lamento do azarado em um cântico de aceitação e derrota. Mas mesmo derrotado, ainda assim, não me calarei: "Se não fosse pela má sorte/Eu não teria sorte alguma." 

Precisa dizer algo mais?

"Red House" é maravilhosa. É impossível escutá-la e não fazer air guitar - na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Não importa onde nem como: deixe-se levar pela voz rouca e pela guitarra triste e furiosa de Hendrix. É uma das músicas mais marcantes de todos os tempos. "Há algo errado, baby/ a chave não abre a porta. /Eu tenho um mau pressentimento/ Meu amor não mora mais aqui".

Ah... Yeah! Gritar pelo amor que se foi, partir, partir-se, afogar-se em mágoa e vinho, dormir ao relento, quebrar a cara, encarar a derrota, aceitar a gargalhada do destino...

Cantando, maldito seja. 

"Catfish Blues" tem uma pegada clássica de blues - mas a guitarra de Jimi leva-a indecentemente a flertar com o Rock. "Eu queria ser/ Um peixe gato/ Nadando no mar azul profundo". Mar azul profundo, escuro, negro, denso, frio. Abissal. Uma noite eterna de abandono, violência, sobrevicência e solidão.

Voodoo Chile Blues: "Na noite em que eu nasci/ A lua ardeu em vermelho/ Minha pobre mãe chorou/ E ela disse: 'a cigana tinha razão'. / E ela caiu morta lá no chão. / E eu disse: voe!/ Porque eu sou uma criança-vodu!"

CARALEO!

Voa, brother, yeah! 
Eu sou uma criança-vodu.

"Mannish Boy" é clássica, e a interpretação de Hendrix dá uma nova vida/interpretação a esta imortal canção. "Quando eu era um garoto, aos cinco anos/ Minha mãe me disse/ que eu seria o maior homem vivo./ Agora eu sou um homem/ Com mais de 21/ Acredite, baby/ Eu tenho muita diversão.". Fuck!

"Once I Had A Woman" e "Bleeding Heart" falam de sangue, mulher e perda. De ser deixado para trás e sofrer por amor, por Ela que te deixou ali e partiu. Suffer, you bastard. You and me, let's drink, and cry, and fly, and sing a song.

Oh yeah.

"Jelly 292" é uma viagem ao planeta da guitarra pela Interstadual 666. Fogo puro, tequila com violência e um pouquinho de desprezo por si mesmo, pela humanidade e por todas as vezes em que atiramos em nossos próprios pés.

Encerrando o disco temos duas versões elétricas de músicas já apresentadas antes neste disco: "Electric Church Red House" onde o som do órgão se mistura à guitarra insana de Hendrix, sua voz vidrada e bateria e baixo marcantes; e "Hear My Train A Comin'", numa performance ao vivo onde se pode ouvir o adorável barulho do disco de vinil da gravação original.


O disco é uma experiência única.

Escute, viva e desintegre-se nesta experiência.

Nada ficará vivo depois que eu me for/ Pois eu sou a realidade.
Dissolver-se no vazio/ é lançar tudo na direção oposta da criação.
A morte é o esquecimento supremo.
Fiat umbra.

Queime, raiva, consuma tudo o que há
Até que reste apenas o silêncio após o fim.

Caos reina.
Danem-se os planos:
A vida ri depois que você cai.
Castelos de nuvens, muralhas de areia.

Perder-se, partir, render-se:
Sumir.

Cantando blues.

Oh yeah.

Sem luas hoje. Lua Negra.

P.S.: Ao mestre Assis Oliveira, pelo Blues.


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