sexta-feira, setembro 13, 2013

Muito Além do Jardim

Dia 256
Being There - 1979
Dir: Hal Ashby
Elenco: Peter Sellers, Shirley MacLaine, Melvyn Douglas


A grande vantagem de se ver um filme do qual nunca se ouviu falar e do qual nada se sabe é a possibilidade de ser surpreendido por uma preciosidade (ou dar de cara com uma bomba). No caso de Muito Além do Jardim (Being There, 1979), do diretor Hal Ashby, é a primeira opção.

Muito Além do Jardim conta a história de Chance (Peter Sellers), o jardineiro de uma mansão que vive e trabalha para o dono do lugar desde criança, tendo talvez até nascido no lugar sem nunca ter visto o lado de fora da casa. Até o dia em que o dono, um senhor muito velho, morre e Chance é deixado na casa completamente sozinho. Sem documentos que comprovem que ele mora na mansão, ou possui alguma ligação com o velho, ou que comprovem ainda sua própria existência, o sujeito é legalmente despejado e, pela primeira vez, põe os pés no mundo exterior.
Uma vez fora de seu abrigo, Chance se maravilha com o mundo e com sua atmosfera decrépita, sendo que ele próprio não conhecia absolutamente nada do mundo exterior além do que via na TV e do que o velho e sua criada o haviam mostrado. Dentro da mansão, protegido em sua redoma, Chance só conhecia seu vasto e bem cuidado jardim, só tinha contato com poucas pessoas e com muitas plantas, o que acabou por fazer dele um cara... ~diferente~.
Chance é extremamente ingênuo, totalmente pacífico, transparece uma calma e uma paciência anormais, além de ser muito curioso e não ter noção nenhuma do que é uma vida em sociedade. Além de não saber ler, escrever, nunca ter entrado em um carro e nunca ter tido contato com pessoas de etnias, classes ou estilos de vida diferentes do seu e do velho.
É quando, no meio de sua jornada de descobrimento do mundo exterior, Chance se envolve por acidente com Eve Rand (Shirley MacLaine), uma mulher rica cujo motorista atropela (quase isso) o jardineiro. Eve se compadece da situação do cara e, temendo um processo, uma queixa ou algo que afetasse sua conta bancária, decide leva-lo para casa a fim de ser examinado pelo médico da família.
Chegando lá Chance se encontra com o velho Bem Rand (Melvyn Douglas), um empresário com envolvimentos políticos que sofre com um tipo raro de anemia e se encontra às portas da morte. Bem fica fascinado pelo jardineiro, sua forma de se comunicar com as pessoas, sua forma de falar sobre seu jardim e entende tudo errado, acaba achando que Chance é um empresário falido que só se comunica por metáforas... E nessa brincadeira Bem acaba colocando Chance no caminho do presidente da república e, por consequência, no foco de todos os jornais, revistas e programas de auditório da América.

Muito Além do Jardim é um drama com um humor sutil, leve que faz uma referência direta e extremamente clara ao já bastante explorado mito da caverna com um pequeno diferencial: enquanto na alegoria de Platão o egresso da caverna era mudado pelo mundo exterior, era tocado pela luz da verdade, aquela coisa toda, aqui nós vemos algo um pouquinho diferente. Chance é mudado e tocado pelo mundo exterior, mas ele também traz uma bagagem de conhecimento de dentro da caverna, com suas “metáforas” sobre flores e jardins que são moldadas conforme a necessidade de quem as ouve e interpreta. Com sua aparente ignorância e ingenuidade o jardineiro que fica imediatamente conhecido após ser mencionado em rede nacional no discurso do presidente americano sobre a economia do país, acaba chamando atenção de toda uma nação e levantando questões óbvias, tão óbvias que ninguém havia parado para pensar nelas. A simplicidade e o carisma de Chance acabam encantando e chamando a atenção de pessoas influentes e seus discursos em rede aberta acabam tocando e motivando (e causando estranheza) a todos no país.

Além de inevitavelmente atingir o coração de Eve, fazendo-a apaixonar pela sua forma quase infantil de enxergar o mundo.

Being There é um filme fascinante, assim como seu protagonista e sua ideia principal. Uma identificação com o personagem de Sellers (em uma atuação especialmente fantástica) é quase inevitável se você decide interpretar sua forma de pensar de um jeito pessoal, assim como todos no longa o fazem. Mas acima de tudo se pensarmos que vivemos trancados em um mundinho, em um jardim pessoal impenetrável do qual nos privamos de sair, e do quanto podemos ser ingênuos e vulneráveis se decidirmos colocar o pé no lado de fora dele.
E o longa mostra isso de uma forma belíssima, com uma direção precisa e atuações marcantes.

PS: o filme é meio difícil de garimpar, quem se interessar entra em contato ;)

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