domingo, agosto 18, 2013

Filhos da Esperança

Dia 230
Children of Men - 2006
Dir: Alfonso Cuarón
Elenco: Clive Owen, Michael Caine, Juliane Moore


Eu nunca sei como começar uma postagem.
Boa noite? Quer dizer, e se você estiver lendo isso às 9 da manhã? Às 3 da tarde? Se você estiver lendo isso daqui a 300 bilhões de anos e o tempo nem mesmo existir?
Enfim. O filme de hoje não tem absolutamente nada a ver com o parágrafo acima. E até tem, pois ele fala sobre o fim. O nosso fim.
Eu costumo mencionar sempre um humorista americano chamado George Callin. Carlin, falecido em 2008 aos 71 anos, descrevia a humanidade como uma raça extremamente arrogante e presunçosa que acha que o mundo vai acabar no dia em que a própria humanidade deixar de existir. E que essa era a razão pela qual nós tememos o aquecimento global: por que ele vai acabar com a gente, com a nossa raça. O aquecimento global, segundo Carlin, não é um problema do planeta. É um problema nosso. Por que, mesmo que nós venhamos a morrer todos, o mundo vai ficar ok. E não importa o quanto nós destruamos e envenenemos o planeta, nós nunca seremos capazes de acabar com toda a vida na Terra. Nós só seremos capazes de acabar com a NOSSA VIDA.

A premissa de Filhos da Esperança, do diretor Alfonso Cuarón, é basicamente essa: o fim da humanidade. Nela, em um futuro breve, a nossa espécie chegou a um ponto de sua existência no qual as fêmeas simplesmente tornaram-se incapazes de procriar, fazendo com que crianças parassem de nascer e a humanidade fosse fadada à extinção breve. Para piorar a situação o mundo virou uma zona de guerra. A todo momento se tem notícia de ataques terroristas em qualquer ponto do globo. Homens se explodem, granadas invadem janelas, prédios são demolidos por carros entupidos de explosivos, pessoas aleatórias são assassinadas nas ruas sem nenhuma razão... Esse é o nosso habitat agora: o caos absoluto e a perspectiva de uma vida breve e uma morte violenta.
E, para piorar ainda mais a imagem do planeta, o cidadão mais jovem da Terra, o último bebê nascido do qual se teve notícia em mais de 20 anos, Diego Ricardo (então com 18 anos) foi esfaqueado até à morte ao sair de um bar na Argentina. E aqui vem a primeira grande sacada do longa: um sujeito que virou uma celebridade global num mundo no qual nós estamos extintos simplesmente por ter sido o último ser humano a nascer antes que todas as mulheres da Terra se tornassem estéreis. O cara se tornou um símbolo, se tornou um objeto de idolatria, é quase que um santo: pessoas viam nele algo a ser adorado, a última criança da Terra.
Dá pra entender o choque de se ver na TV, em um futuro no qual estamos destinados à extinção, que o último bebê da Terra foi esfaqueado e morto? Por um fã? É algo do nível de estar vendo TV e descobrir que John Lennon foi morto por um fã ou que Elvis morreu, ou que Jesus retornou à Terra e foi morto outra vez! Tá, viajei.
Aí você vê, em um café cheio de gente em frente à TV, um grupo de pessoas chorando a morte do sujeito, como a de um parente, como a de alguém amado.
Mas logo percebemos: eles não estão chorando a perda de alguém amado, talvez eles nem mesmo se importem com a morte de Diego Ricardo. Eles estão chorando a perda da esperança.
E é nesse café, no meio dessa gente desesperada, que está Theo Faron, personagem de Clive Owen, não dando a mínima para a grande perda da humanidade. O cara pega seu cappuccino, sai do lugar e nós recebemos uma das informações mais chocantes do filme: ao vermos uma rua semelhante às ruas da Índia, empoeirada, cheia de pessoas, cheia de carros horrivelmente mal cuidados, bicicletas bizarras, motos feitas de peças sobressalentes, lixo espalhado nas calçadas... Nós vemos cruzando a esquina um ônibus vermelho de dois andares e um letreiro nos informa de que estamos em Londres, no ano 2027. E nesse momento uma bomba explode em um prédio, causando uma destruição considerável, aumentando ainda mais o choque que já havia sido causado pelo visual de Londres e quase causando a morte do protagonista, Theo.
E uma mulher surge na tela, roupas rasgadas, cabelo desgrenhado, gritando desesperadamente e carregando o próprio braço arrancado pela explosão.
Esse é o nível de choque que Filhos da Esperança causa só em seus dois primeiros minutos, antes mesmo de aparecer o letreiro branco na tela escura anunciando o filme que estamos para ver. As duas horas que passaremos prendendo o fôlego, com os olhos grudados na tela, sem mover um músculo da cara.
O Mundo entrou em colapso, entregue a uma guerra diária que se abate sobre todos os pontos do globo. Não há lugar seguro, não há trégua, não há “nações unidas”, apenas violência e terrorismo enquanto parte da espécie tenta viver o que resta de seus dias, tenta se adaptar à nova realidade.
E Theo é um desses. Pelo pouco que sabemos do cara, ele tem um passado dramático, com uma família que não é mencionada e, pela cara de poucos amigos do sujeito, essa história de família não terminou bem.
Então, dia desses, Theo é sequestrado por uma “facção terrorista” chamada “Os Peixes” (quantas aspas por aqui hoje) e descobre que uma das mulheres de seu passado, Julian (Juliane Moore) é uma das integrantes da facção. E ela acaba envolvendo Theo em uma situação atípica. Os Peixes são uma espécie de resistência. Para variar o governo está empenhado em sair da reta e, de tabela, ferrar o povo. Os Peixes são uma resistência contra o governo, um MPL com coragem e atitude, que toma medidas violentas para lidar com uma situação violenta. Uma das medidas do governo britânico (que se repete em todo o mundo) para a “proteção” da população é deportar de forma violenta e totalmente indigna qualquer estrangeiro do país, qualquer um que não fale inglês com sotaque e não tome chá com o dedinho levantado. O que vemos por aí em estações de trem é gente de todo canto do mundo, russos, espanhóis, iraquianos, presa em gaiolas de ferro guardadas por policiais armados, embaixo de chuva e de sol. Os Peixes decidiram tomar para si a luta dos imigrantes, decidiram brigar pela liberdade dos imigrantes.
O grupo de Julian ficou encarregado de proteger a todo custo uma jovem, Kee, e ajudá-la a chegar a um barco para fora do país, O Amanhã. Porém os caminhos para O Amanhã são tortuosos, violentos, balas voando em todas as direções, carros em chamas, explosões e morte por todo lado, milícias violentas, o governo fazendo de tudo para dificultar as coisas... O que faz de Kee algo tão precioso, alguém a ser protegido a todo custo, até mesmo com a própria vida? Ela está grávida.
Então Theo, atordoado mais que pela explosão que quase o matou dias antes, decide comprar a briga e garantir a segurança de Kee e da criança que ela traz dentro de si.

Alfonso Cuarón é um diretor mexicano com uma carreira relativamente extensa. O currículo do sujeito é tão notável quanto eclético, um daqueles caras que dirigem o que querem, quando querem e constroem para si uma carreira de respeito. A filmografia dele conta com coisas como A Princesinha (sim, o clássico da Sessão da tarde), Grandes Esperanças, adaptação do livro de Charles Dickens com Ethan Hawke e Robert De Niro, e até mesmo um capítulo de Harry Potter (o terceiro, para mim o melhor filme). O cara soube fazer bem qualquer coisa que tocasse, soube usar seus trabalhos para alavancar na direção correta a própria carreira e, hoje em dia, é um dos diretores mais respeitados de Hollywood. UM MEXICANO! Não é pra qualquer um, o cara merece a atenção que recebe.
Filhos da Esperança é seu sexto longa, o quarto em solo americano. Um dos filmes mais desesperadores nos quais já bati o olho, um épico futurista (ainda que próximo) sobre sobrevivência e medo do fim. Do nosso fim. A ideia que o filme dissemina é aquela que eu mencionei no longínquo início desse texto: o fim do mundo pela ótica humana. Sem grandes catástrofes, sem apocalipse zumbi, sem meteoro ou uma última grande guerra mundial. O fim pela pura e simples descontinuação da espécie. O planeta cansou de nós e decidiu nos exterminar assim como nós exterminamos as formigas no nosso canteiro ou as joaninhas na plantação de tomate. Children of Men é como um Fim dos Tempos guiado por um diretor que tem noção de absurdo e, acima de tudo, talento.
É uma ideia que amedronta, um fim próximo e inevitável e uma visão peculiar sobre como nós vamos invariavelmente caminhar por vontade própria até a beira do abismo.
E, no fim, uma chama de esperança, ou um motivo que faça valer a pena sentir medo por mais um dia.
Eu também nunca sei como terminar um texto, então... Boa noite?

Enfim.
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