segunda-feira, junho 17, 2013

V de Vingança

Dia 164 - Felipe Pereira 161

V For Vendetta - 2005
Dir: James McTeigue
Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea

Feche os olhos. Imagine um futuro em que o governo controla cada ação, cada movimento das pessoas, imagine que nesse futuro a mídia distorce e mente descaradamente a fim de manipular o povo por meio de informação “filtrada”. Imagine ainda que tudo é filmado 24 horas por dia, tudo é gravado para “a segurança da população”. Imagine que neste futuro o povo está terrivelmente acomodado, confortavelmente dormente, sentado em frente à TV e rindo enquanto o mundo lá fora se acaba em estupro e miséria. Imagine se você tivesse de viver em um mundo assim.
Agora para de imaginar, abre os olhos e olha pela janela. Não dá vontade de desistir?

V de Vingança (V For Vendetta – 2005) se baseia na HQ homônima escrita por Allan Moore e desenhada por David Lloyd, lançada entre 1982 e 1983. A história retrata um futuro distópico no qual o Reino Unido é comandado por um governo totalitarista. Nesse ‘futuro’ um sujeito misterioso usando uma máscara sorridente surge do nada e inicia uma série de ataques diretos ao governo, destruindo símbolos opressores fascistas diante do mundo e iniciando uma onda de “ataques terroristas” para o qual o governo simplesmente não estava preparado. Esse homem atende pelo codinome V (Hugo Weaving, o Agente Smith de Matrix, nunca mostrando seu rosto). O primeiro e inesperado ataque tem como vítima a Justiça, a mais icônica das estátuas da época, o equivalente à Estátua da Liberdade daquele lugar. V a faz em pedaços em segundos. Ao som de música clássica. Uma das cenas mais bonitas, por seu significado, da história do cinema (exagero à parte, é verdade).

O governo e a mídia entram em desespero, procurando uma desculpa para dar à população, uma falácia que a impeça de entrar em pânico e despertar de sua letargia. Inventam mentiras, jogam panos quentes, dizem que a estátua estava velha, precisava de reforma e será reinaugurada. O povo cai como um pato, aplaude e agradece.

V não se dá por satisfeito. Ele é um homem misterioso, solitário, ferido, não tem o que perder, não deve satisfações a ninguém, não deve explicações a ninguém. Se o filme acompanhasse somente a ele, seria uma série de atos de violência sem nenhuma explicação, afinal a imagem que o governo passa é sempre a de salvador da pátria. Seria um terrorista mascarado atacando uma sociedade perfeitamente harmoniosa. Uma sociedade perfeitamente harmoniosa que vive sob um toque de recolher.

Eis que entra Evey (Natalie Portman), uma funcionária de emissora de TV que se depara com o homem mascarado em um momento, digamos, delicado de sua vida. Um momento em que a sociedade saudável ameaçava desmoronar sobre ela. Surge V, em seu manto negro, seu irretocável chapéu preto pontiagudo e sua máscara branca, seus olhos profundos e seu sorriso vermelho, portando lâminas mortiferamente frias, feitas para degolar os injustos e os estúpidos. V surge como uma entidade, um evento totalmente inesperado. E ele salva-lhe a vida de uma forma indescritível.
E ele se apresenta a ela em forma de espetáculo, como o ator de uma peça de teatro, cheio de rimas e floreios, cheio de poesia e pose. E o cara faz isso após cortar a sangue frio a garganta de dois sujeitos que estavam prestes a estuprar a moça.

V de Vingança merece uma análise detalhada e profunda, uma análise que acompanhe cada um de seus atos, que busque detalhes em cada uma de suas cenas, em cada um de seus frames, há conteúdo a ser explorado, há mensagem, há crítica, há ácido escorrendo pela tela e pelas páginas da HQ. E eu me comprometo a isso, me prepararei para isso e cumprirei com esta promessa. Mas não hoje. Hoje eu quero fazer uma coisa que eu gosto demais: hoje eu quero passar dos limites, hoje eu quero deixar de fazer sentido.

V de Vingança não honra as páginas da HQ na qual foi baseado. O roteiro dos irmãos Wachowski altera e distorce ideologia, mexe na época na qual a história se passa sem grandes motivos, apenas para atualizar as coisas, para quem leu a HQ, o filme se torna difícil de engolir a uma primeira vista. Ele é acelerado, impaciente e aposta demais na ação, ação que não era tão explícita nas páginas da HQ de Moore e Lloyd.
Se fosse pra definir o que o roteiro dos irmãos foi para a HQ em uma palavra eu usaria uma forte e grosseira, mas eu disse que passaria dos limites. Por que o roteiro dos dois estupra a HQ, um segura e o outro curra.
Mas, demos o braço a torcer, o filme é genial em sua subversão. Ele estica, ele puxa, ele corta e costura ideias e motivações, ele mistura e espreme, mas ele cumpre o que promete. É até complicado de falar sobre já que o próprio Moore detestou a adaptação de sua obra mais poderosa para as telas do cinema. Mas o cara é um eremita chato pra cacete, ele não viu Watchmen, tô pouco me lixando para o que ele pensa!

Algo em V de Vingança justifica sua própria existência, explica o porquê de um filme que desrespeita tanto sua origem consegue ser tão competente, consegue ser tão feliz em passar uma mensagem. Em uma frase V, às portas da morte, explica como um sentimento é capaz de sobreviver 4 séculos e causar o dano que ele consegue causar no filme.

É sobre ideias! Ideias são vermes poderosos que se infiltram na mente dos homens. Tem o poder de construir e o de destruir, assim como tem o poder de fazer um estupido parar e refletir. Ideias não morrem, não sofrem, não mudam, Em sua essência, a ideia permanece a mesma para sempre, nós é que mudamos. A colher não existe, lembra?
Ideias criam cidades e destroem civilizações, elevam o homem acima do chão e o levam para debaixo da terra. Homens já pagaram com a com suas cabeças pelo fato de usa-las para pensar.
Ideias são de aço, homens são de carne.
O que você vê é um homem com uma máscara.
“Porque por detrás desta máscara não existe apenas carne. Existe uma ideia, e ideias são a prova de balas.”

Aos nossos amigos que, após muito suportar, decidiram mudar esse país, eu quero dizer uma coisa: muitos dirão que vocês são falsos, muitos dirão que esse movimento é errado e que vocês não tem razão. As pessoas são assim, sentem tanta dor que acabam por ficar dormentes. Senhoras e senhores, não deixem que os confortáveis digam a vocês que vocês estão errados.
E mesmo que balas e bombas voem em sua direção, lembrem-se do que é uma ideia.

Eu disse que talvez fosse passar um pouco dos limites. Um pouco.
A propósito, desnecessário dizer que esse texto representa a minha opinião, somente a minha, não falo por ninguém do site, mesmo que eles concordem, essa é a minha opinião.
Mas pelo menos eu tenho uma.

Boa noite e fiquem com a entidade mística imaginária que melhor os represente, mas não deixe que ela fale por vocês.

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