Dia 164 - Felipe Pereira 161
V For Vendetta - 2005
Dir: James McTeigue
Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea
Feche os olhos. Imagine um futuro em que o governo
controla cada ação, cada movimento das pessoas, imagine que nesse futuro a
mídia distorce e mente descaradamente a fim de manipular o povo por meio de
informação “filtrada”. Imagine ainda que tudo é filmado 24 horas por dia, tudo
é gravado para “a segurança da população”. Imagine que neste futuro o povo está
terrivelmente acomodado, confortavelmente dormente, sentado em frente à TV e
rindo enquanto o mundo lá fora se acaba em estupro e miséria. Imagine se você
tivesse de viver em um mundo assim.
Agora para de imaginar, abre os olhos e olha pela janela.
Não dá vontade de desistir?
V de Vingança (V For Vendetta – 2005) se baseia na HQ
homônima escrita por Allan Moore e desenhada por David Lloyd, lançada entre
1982 e 1983. A história retrata um futuro distópico no qual o Reino Unido é
comandado por um governo totalitarista. Nesse ‘futuro’ um sujeito misterioso usando
uma máscara sorridente surge do nada e inicia uma série de ataques diretos ao
governo, destruindo símbolos opressores fascistas diante do mundo e iniciando
uma onda de “ataques terroristas” para o qual o governo simplesmente não estava
preparado. Esse homem atende pelo codinome V (Hugo Weaving, o Agente Smith de
Matrix, nunca mostrando seu rosto). O primeiro e inesperado ataque tem como
vítima a Justiça, a mais icônica das estátuas da época, o equivalente à Estátua
da Liberdade daquele lugar. V a faz em pedaços em segundos. Ao som de música
clássica. Uma das cenas mais bonitas, por seu significado, da história do
cinema (exagero à parte, é verdade).
O governo e a mídia entram em desespero, procurando uma
desculpa para dar à população, uma falácia que a impeça de entrar em pânico e
despertar de sua letargia. Inventam mentiras, jogam panos quentes, dizem que a
estátua estava velha, precisava de reforma e será reinaugurada. O povo cai como
um pato, aplaude e agradece.
V não se dá por satisfeito. Ele é um homem misterioso,
solitário, ferido, não tem o que perder, não deve satisfações a ninguém, não
deve explicações a ninguém. Se o filme acompanhasse somente a ele, seria uma
série de atos de violência sem nenhuma explicação, afinal a imagem que o
governo passa é sempre a de salvador da pátria. Seria um terrorista mascarado
atacando uma sociedade perfeitamente harmoniosa. Uma sociedade perfeitamente
harmoniosa que vive sob um toque de recolher.
Eis que entra Evey (Natalie Portman), uma funcionária de emissora de TV que
se depara com o homem mascarado em um momento, digamos, delicado de sua vida.
Um momento em que a sociedade saudável ameaçava desmoronar sobre ela. Surge V,
em seu manto negro, seu irretocável chapéu preto pontiagudo e sua máscara branca,
seus olhos profundos e seu sorriso vermelho, portando lâminas mortiferamente frias,
feitas para degolar os injustos e os estúpidos. V surge como uma entidade, um
evento totalmente inesperado. E ele salva-lhe a vida de uma forma
indescritível.
E ele se apresenta a ela em forma de espetáculo, como o
ator de uma peça de teatro, cheio de rimas e floreios, cheio de poesia e pose.
E o cara faz isso após cortar a sangue frio a garganta de dois sujeitos que
estavam prestes a estuprar a moça.
V de Vingança merece uma análise detalhada e profunda,
uma análise que acompanhe cada um de seus atos, que busque detalhes em cada uma
de suas cenas, em cada um de seus frames, há conteúdo a ser explorado, há
mensagem, há crítica, há ácido escorrendo pela tela e pelas páginas da HQ. E eu
me comprometo a isso, me prepararei para isso e cumprirei com esta promessa.
Mas não hoje. Hoje eu quero fazer uma coisa que eu gosto demais: hoje eu quero
passar dos limites, hoje eu quero deixar de fazer sentido.
V de Vingança não honra as páginas da HQ na qual foi
baseado. O roteiro dos irmãos Wachowski altera e distorce ideologia, mexe na
época na qual a história se passa sem grandes motivos, apenas para atualizar as
coisas, para quem leu a HQ, o filme se torna difícil de engolir a uma primeira
vista. Ele é acelerado, impaciente e aposta demais na ação, ação que não era
tão explícita nas páginas da HQ de Moore e Lloyd.
Se fosse pra definir o que o roteiro dos irmãos foi para
a HQ em uma palavra eu usaria uma forte e grosseira, mas eu disse que passaria
dos limites. Por que o roteiro dos dois estupra a HQ, um segura e o outro
curra.
Mas, demos o braço a torcer, o filme é genial em sua
subversão. Ele estica, ele puxa, ele corta e costura ideias e motivações, ele
mistura e espreme, mas ele cumpre o que promete. É até complicado de falar
sobre já que o próprio Moore detestou a adaptação de sua obra mais poderosa
para as telas do cinema. Mas o cara é um eremita chato pra cacete, ele não viu
Watchmen, tô pouco me lixando para o que ele pensa!
Algo em V de Vingança justifica sua própria existência,
explica o porquê de um filme que desrespeita tanto sua origem consegue ser tão
competente, consegue ser tão feliz em passar uma mensagem. Em uma frase V, às
portas da morte, explica como um sentimento é capaz de sobreviver 4 séculos e
causar o dano que ele consegue causar no filme.
É sobre ideias! Ideias são vermes poderosos que se
infiltram na mente dos homens. Tem o poder de construir e o de destruir, assim
como tem o poder de fazer um estupido parar e refletir. Ideias não morrem, não
sofrem, não mudam, Em sua essência, a ideia permanece a mesma para sempre, nós
é que mudamos. A colher não existe, lembra?
Ideias criam cidades e destroem civilizações, elevam o
homem acima do chão e o levam para debaixo da terra. Homens já pagaram com a
com suas cabeças pelo fato de usa-las para pensar.
Ideias são de aço, homens são de carne.
O que você vê é um homem com uma máscara.
“Porque por detrás desta máscara não existe apenas carne.
Existe uma ideia, e ideias são a prova de balas.”
Aos nossos amigos que, após muito suportar, decidiram
mudar esse país, eu quero dizer uma coisa: muitos dirão que vocês são falsos,
muitos dirão que esse movimento é errado e que vocês não tem razão. As pessoas
são assim, sentem tanta dor que acabam por ficar dormentes. Senhoras e
senhores, não deixem que os confortáveis digam a vocês que vocês estão errados.
E mesmo que balas e bombas voem em sua direção,
lembrem-se do que é uma ideia.
Eu disse que talvez fosse passar um pouco dos limites. Um
pouco.
A propósito, desnecessário dizer que esse texto
representa a minha opinião, somente a minha, não falo por ninguém do site,
mesmo que eles concordem, essa é a minha opinião.
Mas pelo menos eu tenho uma.
Boa noite e fiquem com a entidade mística imaginária que
melhor os represente, mas não deixe que ela fale por vocês.
-


Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar no 01Pd! Seja bem vindo e volte sempre!