Dia 166. Michel 149
Como alguém desprovido de visão tateia através de texturas e distâncias, eu viajo através da música. Sigo fitas multicores e incandescentes de aromas exóticos - qualquer sinal de novidade ou de excentricidade me deixa aceso.
Então descobri uma cantora chamada Anouk.
Viajei muito nessa música. Atravessei camadas e mais camadas de sentimentos, caminhando entre texturas e sabores, aromas e temperaturas. Alcancei profundidades e altitudes, fui até os limites e voltei - diferente, incompleto, esgotado e inesgotável.
Mas não é dessa música que falaremos hoje, e sim do último trabalho desta neerlandesa que tem a alma na voz: "Sad Singalong Songs".
Anouk começa enumerando regras em "The Rules": A regra número um é: não há regras.
Você não entendeu. Começar um disco com uma música dessas, com gosto de sangue e de promessas vazias... isso é demais, cara. Corajoso demais, temerário demais, insano demais.
Humano demais.
O álbum se mostra como uma nódoa escura, densa e pulsante, como relógios de pêndulos e areia caindo, marcando o tempo, contando as horas sempre rumo àquele inexorável horizonte de esquecimento que ameaça nos engolir, eviscerar e desintegrar. Nem mesmo as lembranças restarão.
Cheia de uma tristeza magistral, a voz de Anouk nos transporta até um lugar onde a visão é mais abrangente, mas nem por isso mais agradável. As juras de amor, as máscaras, as mentiras, chorar no chuveiro, suspeitar, a solidão, telefonar e desligar ao mudar de ideia... tudo isso - que é tão pequeno - toma proporções gigantescas quando cantadas por ela. Inundam, implodem/explodem, fazendo pouco de teus pedaços e de tua inabilidade de se remontar.
Tristeza em altíssimas doses direto no coração.
Ainda assim ainda há uma pequena esperança. Daquelas que aguardam, torcem, para que as coisas deem certo no fim. Mas é uma esperança que se nega a si mesma, consciente de que não há mais tempo para tecer este tipo de casulo. Não há proteção, apenas sofrimento, apenas dor, despedida, vazio e adeus.
Resignação. Perda. Solidão. Um negrume que se espalha tecendo fios de uma teia insuportavelmente forte.
Anouk leva a tristeza a um novo patamar com sua voz grave e cheia de texturas. Um disco comovente e apaixonante como há tempos não ouvia. Soframos juntos, todos aqueles que um dia já se desiludiram com um amor.
Um brinde a nós que amamos nas sombras.



Essa aqui é de 007, hein?
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=-QJ7y7m0ye0