E se a pessoa morta – agora viva - lhe perguntasse o porquê do espanto
por vê-la ali? Você diria a ela, assim, de supetão, a razão do seu
congelamento, susto, surpresa?
E se você não acreditasse em seus olhos, ouvidos e pele, teria a
coragem de chamar alguém para tirá-la do “transe”? Seria possível que você
ateasse fogo em todo o recinto, a fim de liquidar com a aparição, julgando ser
ela uma maldição, ou o próprio demônio enraizado no receptáculo corpo de seu
amor?
E se, ao invés de negar a situação, você conseguisse enxergar nela a
resposta a seu pedido diário – de trazer de volta a pessoa, justamente por não
aguentar sua ausência. Nessa situação, o choro venceria a bizarrice da
situação. O sorriso prevalecia por sobre as crenças, e a ciência seria facilmente
massacrada pelo irracional.
Agora, e se fosse VOCÊ, ao voltar sem memória de um lugar chamado
morte? Qual seria sua reação ao ver o envelhecimento dos que continuaram – por
anos -, a habitar o lugar dos vivos? E se fosse você, a encarrar o presente
como se passado fosse, mesmo tendo perdido a oportunidade de vivenciá-lo a
ponto de chama-lo de “seu” pretérito?
E se fosse você, a descobrir a verdade há tempos sofrida pelos que de
ti se despediram – ou não? E se fosse você, a enxergar a realidade outra, de um
amor atuante em sua lembrança? E se fosse a sua vez de se despedir do presente
seu, para adentrar do presente dos outros que o cercam?
E se existisse uma série televisiva que trouxesse consigo todos esses
“e se”?
E se eu disser a você que a série existe, que é francesa e que sua
primeira temporada é composta de 8 episódios? E mais: e se eu disser que a tal
série, intitulada Les Revenants, alcançou índices invejáveis na França, e que
canais de Inglaterra, Suécia, Hungria, Israel e Hong Kong adquiriram os
direitos de exibição em seu país? Ah, e se eu disser que é a primeira vez, em
20 anos, a acontecer de um canal Inglês exibir produção estrangeira com a
inclusão de legendas em sua programação?
Acredito eu que, com essas informações você logo pensaria ser a novata
produção francesa, um verdadeiro sucesso, certo?
Pois é isso mesmo. Além da repercussão positiva da trama nos países já
citados, Os produtores negociam a expansão da divulgação nos EUA, Austrália,
Itália, Canadá e Japão. Ah, e também países da America Latina (onde o Brasil –
ainda, não foi mencionado).
As irmãs Lena e Camile |
Os britânicos, por exemplo, gostaram tanto da essência da trama em
questão, que já corre atrás de permissão para adaptação da história. Com a
ideia do remake em andamento, a obra já ganhou seu título – They Came Back.
Enquanto isso nos EUA… Aaron Zelman (The Killing) vai dando andamento
à produção da série The Returned, que nada mais é que uma adaptação à obra de
Jason Mott (ainda inédita), mas que mais parece um “plágio” de Les Revenants. Isso porque sua história tem a
mesma essência da produção francesa de sucesso.
Numa
cidade, sem razão aparente ou lógicas explicações, mortos começam a circular
pelas ruas e histórias como se absolutamente nada tivesse a eles acontecido.
Causando comoção, receios mil e medo em muitos dos habitantes – ditos vivos –
desse lugarejo.
Bem, mas o assunto não deve ser desviado. Afinal de contas, a série
americana ainda está engatinhando, ao passo que a espetaculosa trama francesa
continua a trilhar o caminho do sucesso. Justíssimo, diga-se de passagem, pois
é ela uma produção inebriante, instigante e delicada ao extremo. E não poderia
ser diferente, já que a visão do velho continente parece ser sempre mais
sentida, mais exploratória, mais intensa e mais ritmada que produções
estadunidenses (resguardadas algumas poucas exceções à regra). Ah, é importante
ressaltar que a série é uma adaptação do longa homônimo de Robin Campillo.
Em Les Revenants é possível flutuar por entre cômodos, é possível
sentir as ranhuras das paredes, é possível tocar cada nuance da face
estupefata, é possível encarar o refletir do sol sob a paisagem amortizada pelo
cotidiano.
Em Les Revanants, é sentida com pesar a dor do outro ao se penalizar
por uma loucura que não o acomete. Lágrimas, indomáveis gotículas que não
discernem o real do imaginável, brotam incontrolavelmente nos olhos dos mais
sensíveis à pulsação alheia. Empatia. Essa é a palavra atrelada ao sucesso de
Les Revenants. Ao assisti-la, é possível compreender cada minucioso significado
de sua essência.
Vemos o sol, nos dias claros. A chuva nos dias mais carrancudos. Vemos
os amores no nosso dia a dia. Vemos a água que escorre, sempre destemida, por
entre seus possíveis e impensados caminhos. Vemos realização de uma tarefa ser
feita. Vemos o trafegar dos mais diversos veículos. Vemos o apagar, o ligar de
uma televisão numa sala escura. Vemos o adeus de uma criança ao entrar no
ônibus escolar. Vemos a viatura policial passar. Vemos as estrelas de sempre.
Vemos a Lua calar a noite.
Entretanto, passamos nossos dias sem nada enxergar. E, na maioria das
vezes, só entendemos a cegueira constante, quando nos é imposta situação
limite. É então que os negros olhos, acostumados com o blackout, se fecham por
não suportarem a luz emanada com vivacidade pela esfera que habita o ar fora da
caverna. Sim, fora da caverna. Lugar em que julgamos deixar instantes após o
engatinhar. Lugar que apontamos estar os mais ignorantes e medrosos seres.
A realidade nua e crua é uma só. E estamos todos lá, na escuridão do
comodismo, do acreditar que as tais “situações limite” só chegarão para o
conhecido, para o vizinho ou para o “coitado” que não tem sorte na vida. Quando
tudo isso não passa de hipocrisia, de cegueira.
Ver não é mesma coisa que enxergar.
Ver o sol num dia típico de calor, não é, em absoluto, enxergar a
delicadeza com que seus raios tocam a superfície da bela margarida. Ver um dia
de chuva, não é simplesmente ver as gotículas em queda. É muito mais que isso.
É enxergar o seu ruído, é compreender o porquê de sua existência, é contemplar
seu aroma.
Ver o adeus de uma criança ao entrar no ônibus escolar, é simplista
demais. A cena exige que enxerguemos o que fato ela nos apresenta – que é o
distanciar do zelo, o aceitar que o bebê cresceu. É enxergar que aquele não é
apenas mais um momento, mas, sim, que pode ser ele o último de uma sequencia de
respirar. É enxergar a graciosidade da criança ao de despedir. É o entender que
a ingenuidade existe e é terna, quando encrustada na fantasia da criança.
Les Revenants veio para nos mostrar que podemos enxergar a vida sem a
imposição do limite, do extremo.
As pausas entre os diálogos são agraciadas pela imagem musicada, e sem
presa conseguimos enxergar detalhes, sentimentos, angústias, calafrios.
Detentora de uma fotografia apaixonante e penetrante, a novata francesa nos
transporta para uma realidade outra, sem que abandonemos nossa caverna atual.
Camile |
No primeiro episódio, somos apresentados à Camile, uma jovem que,
depois de quatro anos de sua morte, reaparece na cozinha de sua casa, causando
reações de felicidade e espanto em sua saudosa mãe. Enquanto a família de
Camile tenta, mesmo que ainda incrédula, assimilar os últimos acontecimentos,
acompanhamos o retorno de outros tantos mortos à pequenina cidade da França.
Camile não tem memória dos instantes que antecederam sua morte. Quanto
aos outros mortos, a memória parece “falhar” da mesma maneira. Entretanto, há
um personagem que, contrariando a lógica do proposto pela trama, parece estar
ciente de toda a situação. Mas essa é uma impressão minha. Terei de assistir
mais para comprovar – ou não -, minha estúpida tese.
Simplesmente SENSACIONAL!
Ver
a tv ligada na sala escura, é não enxergar a solidão que a cerca, quando quem a
aciona já não mais reside em seu ser.
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