Dia 84 - Felipe P. 81
Kick-Ass - 2010
Dir: Matthew Vaughn
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Nicolas Cage, Chloë Grace Moretz.
Eu comecei a ler Kick-Ass achando a coisa mais irada do
mundo, a ideia de um herói humano no mundo real, apanhando de verdade, levando
na cara, sangrando e dando duro pra fazer o que ele julga correto, a ideia de
um nerd fã de cinema e quadrinhos pudesse vestir um uniforme e sair pra fazer
justiça me deixava muito empolgado. Como nerd, como fã de quadrinhos que
cresceu vendo o Superman salvando a Terra, ou o Homem-Aranha salvando o bairro,
em minhas fantasias de garoto eu desejava esmurrar bandidos e salvar donzelas,
mas quem nunca, né?
Kick-Ass chegou fazendo um estardalhaço justificado. Era
uma história com um pé na realidade, um adolescente comum, nem sortudo nem
sofrido demais, que decidiu por decidir colocar um uniforme e sair na rua para
combater o crime. Sem nenhuma razão nobre ou questão de vingança, sem morte
trágica dos pais, sem planetas natais explodidos ou insetos radioativos, apenas
por que deveria ser legal usar o uniforme por baixo da roupa na hora da aula,
bater num bandido de rua, ficar famoso no Youtube.
Eis que nasce Kick-Ass.
A ideia era ao mesmo tempo ambiciosa e despretensiosa e,
logo de cara, deu muito errado. Dave Lizewski passava a ter uma vida dupla. De
dia um estudante de colegial impopular, de noite um destemido herói mascarado,
logo na primeira noite de ação é esfaqueado e atropelado, acaba indo parar num
hospital, fica em coma e acorda cheio de placas de metal. Logo que tem
condições de ficar em pé e sair na rua, Dave toma a decisão mais estúpida
possível: voltar a usar uniforme e máscara. Kick-Ass estava de volta.
A HQ começava bem e ia ficando esquisita e forçada até
chegar a seu final patético e intragável, totalmente irreal, desvirtuando
completamente a ideia inicial de dar uma dose de realidade aos super heróis. Um
final tão ruim que me fez contestar a qualidade do trabalho de Mark Millar como
um todo, não só a HQ em questão: um todo, sua obra inteira, sua carreira
inteira. Millar, autor de HQs, escreveu alguns roteiros de cinema e criou
histórias que geraram filmes, entre eles Kick-Ass e O Procurado. As ideias do
sujeito costumam ser muito boas, mas a execução em geral costuma acabar mal. Millar
tem uma fama terrível de não saber finalizar histórias e Kick-Ass é a prova
mais agressiva dessa má fama.
Eis que surge o filme, adaptado em tempo recorde com
baixíssimo orçamento, contando basicamente a mesma história e mudando o final
ridículo por um mais aceitável, mas tão irreal quanto. Eu gostava do filme,
havia algo nele que me incomodava profundamente, mas eu gostava dele,
recomendava para vários amigos e todos eles adoram. Mas eu não conseguia
entender, descobrir o elemento que me incomodava, não conseguia identificar,
mas algo ali me fazia torcer o nariz e, revendo Kick-Ass: Quebrando Tudo eu
percebi exatamente o que era.
Lá está Dave Lizewski tentando ser herói, quebrando a
cara, apanhando feito um desgraçado, mas mantendo a proposta de realismo. Eis
que surgem dois personagens, dois personagens muito bons por sinal.
Um deles é Big Daddy, Nicolas Cage em um de seus melhores
papeis nas últimas décadas. Big Daddy é um psicopata que treinou a filha para
ser uma assassina ninja mirim. O cara é uma espécie de Batman assassino e
surtado. O outro é Hit Girl, filha de Big Daddy, uma menininha de uns doze anos
que se diverte esquartejando bandidos, dando saltos e piruetas, matando como se
fosse a coisa mais comum do mundo e, junto de seu pai, é uma personagem excelente.
Os dois são, os dois por si só dariam um bom filme, violento e empolgante,
totalmente incorreto, cheio de humor negro.
Mas em Kick-Ass eles não só aparecem fora de contexto,
como eles mudam o contexto e eles quebram a ideia inicial de realismo. Pra mim
o problema de Kick-Ass, seja filme ou seja HQ, se chama Big Daddy e Hit Girl,
principalmente essa segunda.
Quando a Hit Girl chega em cena, ela rouba o show para si,
os holofotes se voltam pra ela e o realismo se desfaz por completo.
Assim como na HQ, o filme começa muito bem e se perde com
a chegada desses dois personagens, levando a um final completamente absurdo,
completamente sem contexto, o que acaba com a ideia como um todo.
Revendo o filme eu percebi algo que tirou um peso dos meu
ombros: percebi que não gosto de Kick-Ass, nem do filme nem da HQ, desencanei
totalmente. Eu me sentia meio que numa obrigação moral de gostar, pelo simples
fato de que totó mundo adorava e eu não queria pagar de chato e “do contra”,
tendo de me explicar, até por que eu nem tinha uma explicação, eu nem sabia o
que me incomodava e eu achava que gostava do filme, apesar do final.
O problema não é o final: é a Hit Girl.
Fora isso, para um filme de baixo orçamento, que não
encontrou um grande estúdio que financiasse, a produção como um todo é
competente e o diretor Matthew Vaughn fez o que pode, deu uma melhorada
considerável no fiapo de história que o Millar escreveu, ainda por cima deu uma
revitalizada na carreira do Cage e descobriu uma das atrizes mais talentosas da
nova safra: Chloe Moretz. Eu diria que o cara fez um bom trabalho de adaptação,
mas pra mim é isso.
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