segunda-feira, março 25, 2013

Kick-Ass: Quebrando Tudo

Dia 84 - Felipe P. 81
Kick-Ass - 2010
Dir: Matthew Vaughn
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Nicolas Cage, Chloë Grace Moretz.

Eu comecei a ler Kick-Ass achando a coisa mais irada do mundo, a ideia de um herói humano no mundo real, apanhando de verdade, levando na cara, sangrando e dando duro pra fazer o que ele julga correto, a ideia de um nerd fã de cinema e quadrinhos pudesse vestir um uniforme e sair pra fazer justiça me deixava muito empolgado. Como nerd, como fã de quadrinhos que cresceu vendo o Superman salvando a Terra, ou o Homem-Aranha salvando o bairro, em minhas fantasias de garoto eu desejava esmurrar bandidos e salvar donzelas, mas quem nunca, né?
Kick-Ass chegou fazendo um estardalhaço justificado. Era uma história com um pé na realidade, um adolescente comum, nem sortudo nem sofrido demais, que decidiu por decidir colocar um uniforme e sair na rua para combater o crime. Sem nenhuma razão nobre ou questão de vingança, sem morte trágica dos pais, sem planetas natais explodidos ou insetos radioativos, apenas por que deveria ser legal usar o uniforme por baixo da roupa na hora da aula, bater num bandido de rua, ficar famoso no Youtube.
Eis que nasce Kick-Ass.
A ideia era ao mesmo tempo ambiciosa e despretensiosa e, logo de cara, deu muito errado. Dave Lizewski passava a ter uma vida dupla. De dia um estudante de colegial impopular, de noite um destemido herói mascarado, logo na primeira noite de ação é esfaqueado e atropelado, acaba indo parar num hospital, fica em coma e acorda cheio de placas de metal. Logo que tem condições de ficar em pé e sair na rua, Dave toma a decisão mais estúpida possível: voltar a usar uniforme e máscara. Kick-Ass estava de volta.
A HQ começava bem e ia ficando esquisita e forçada até chegar a seu final patético e intragável, totalmente irreal, desvirtuando completamente a ideia inicial de dar uma dose de realidade aos super heróis. Um final tão ruim que me fez contestar a qualidade do trabalho de Mark Millar como um todo, não só a HQ em questão: um todo, sua obra inteira, sua carreira inteira. Millar, autor de HQs, escreveu alguns roteiros de cinema e criou histórias que geraram filmes, entre eles Kick-Ass e O Procurado. As ideias do sujeito costumam ser muito boas, mas a execução em geral costuma acabar mal. Millar tem uma fama terrível de não saber finalizar histórias e Kick-Ass é a prova mais agressiva dessa má fama.
Eis que surge o filme, adaptado em tempo recorde com baixíssimo orçamento, contando basicamente a mesma história e mudando o final ridículo por um mais aceitável, mas tão irreal quanto. Eu gostava do filme, havia algo nele que me incomodava profundamente, mas eu gostava dele, recomendava para vários amigos e todos eles adoram. Mas eu não conseguia entender, descobrir o elemento que me incomodava, não conseguia identificar, mas algo ali me fazia torcer o nariz e, revendo Kick-Ass: Quebrando Tudo eu percebi exatamente o que era.
Lá está Dave Lizewski tentando ser herói, quebrando a cara, apanhando feito um desgraçado, mas mantendo a proposta de realismo. Eis que surgem dois personagens, dois personagens muito bons por sinal.
Um deles é Big Daddy, Nicolas Cage em um de seus melhores papeis nas últimas décadas. Big Daddy é um psicopata que treinou a filha para ser uma assassina ninja mirim. O cara é uma espécie de Batman assassino e surtado. O outro é Hit Girl, filha de Big Daddy, uma menininha de uns doze anos que se diverte esquartejando bandidos, dando saltos e piruetas, matando como se fosse a coisa mais comum do mundo e, junto de seu pai, é uma personagem excelente. Os dois são, os dois por si só dariam um bom filme, violento e empolgante, totalmente incorreto, cheio de humor negro.
Mas em Kick-Ass eles não só aparecem fora de contexto, como eles mudam o contexto e eles quebram a ideia inicial de realismo. Pra mim o problema de Kick-Ass, seja filme ou seja HQ, se chama Big Daddy e Hit Girl, principalmente essa segunda.
Quando a Hit Girl chega em cena, ela rouba o show para si, os holofotes se voltam pra ela e o realismo se desfaz por completo.
Assim como na HQ, o filme começa muito bem e se perde com a chegada desses dois personagens, levando a um final completamente absurdo, completamente sem contexto, o que acaba com a ideia como um todo.
Revendo o filme eu percebi algo que tirou um peso dos meu ombros: percebi que não gosto de Kick-Ass, nem do filme nem da HQ, desencanei totalmente. Eu me sentia meio que numa obrigação moral de gostar, pelo simples fato de que totó mundo adorava e eu não queria pagar de chato e “do contra”, tendo de me explicar, até por que eu nem tinha uma explicação, eu nem sabia o que me incomodava e eu achava que gostava do filme, apesar do final.
O problema não é o final: é a Hit Girl.
Fora isso, para um filme de baixo orçamento, que não encontrou um grande estúdio que financiasse, a produção como um todo é competente e o diretor Matthew Vaughn fez o que pode, deu uma melhorada considerável no fiapo de história que o Millar escreveu, ainda por cima deu uma revitalizada na carreira do Cage e descobriu uma das atrizes mais talentosas da nova safra: Chloe Moretz. Eu diria que o cara fez um bom trabalho de adaptação, mas pra mim é isso.
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