segunda-feira, fevereiro 04, 2013

A Fonte da Vida - Clint Mansell (Soundtrack), ou: Sobre a Vida e a Morte

Michel 32. Dia 35.

"É tarde demais." 

Esse é o sentimento que te invade ao ouvir a trilha sonora do belíssimo filme "A Fonte da Vida" (2006) de Darren Aronofsky. 

É tarde demais, penso, quando me deparo diante de minha mortalidade. E a morte é tão sutil quanto sagaz: manda pistas, deixa recados, sempre chega na última hora.

É tarde demais. Vejo as rugas, vejo os fios de cabelo no pente, percebo a visão borrada e o aumento nos "o quê você disse?".

O que você faria para prolongar sua vida mais dois anos? Mais dez? Mais cinquenta?

Quem você mataria? Até onde você iria? O que você daria?

Tempo.

Quem não lembra o famoso diálogo entre Roy Batty e Tyrell, no topo do zigurate em Blade Runner?


Tyrell: “Admiro-me de que não tenha chegado aqui antes.”
Roy: “Não é fácil encontrar nosso criador”.
Tyrell: “O que posso fazer por você?’
Roy: “Será que o Criador pode consertar o que fez?”
Tyrell: “Qual é o problema?”
Roy: “A Morte.”
Tyrell: “Sinto muito, mas está fora de minha jurisdição.”
Roy: “Eu quero mais vida, Pai!”
Tyrell: “Os fatos da vida. Alterá-los seria fatal. (...) Nós o construímos o mais perfeito possível.”
Roy: “Mas não para durar.”
Tyrell: “A luz que brilha mais intensamente dura a metade do tempo. E você brilhou demais, Roy. Veja: você é o filho pródigo. (...)”


Mais vida. Mais tempo. Uma cura para a velhice e a morte...

Seriam a velhice e a morte doenças/males?

A trilha sonora de "A Fonte da Vida" é angustiante e impaciente por respostas. É orgânica, úmida e quente como um útero, uma floresta ou um corpo recém-morto. Clint Mansell trabalha aqui com dois grupos fantásticos, Mogwai e Kronos Quartet, dando ao filme aquela qualidade etérea e ao mesmo tempo terrena, celeste e ao mesmo tempo apegada à esta vida material. Você se sente no meio da floresta junto com o Conquistador. Você bebe com ele da seiva da árvore da Vida.

Você se torna um com a terra, e paga isso com a única coisa que é tua e que não te pertence:

A vida.

E se você pudesse salvar das garras da morte as pessoas que você ama? E se mesmo assim elas morressem em teus braços?

Assim é e assim será, pois que todos morremos sozinhos. Apenas nosso egoísmo nos dá pretensão de poder querer salvar alguém, apenas nosso ego inflado e inflamado nos preenche com a angústia de querer prolongar a existência.

"Então disse o SENHOR Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente, O SENHOR Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. (Gênesis 3:22-23).

Escutar a trilha sonora de "A Fonte da Vida" é turvar com as mãos as águas claras e tranquilas da paz e do contentamento. É uma viagem às escuridões profundas, é sair para correr em dia de chuva. É olhar no espelho e encarar as Legiões. É dar nome aos medos.

É chorar pelos pais e pelos filhos. 

Impossível assistir ao filme e ouvir sua música sem lágrimas. E mesmo o fim não traz a tão desejada salvação, pois aqui, após a dissolução, não há consolo nem certezas. Há apenas o que havia antes de existirmos.

Não assista esse filme, não escute a trilha sonora. Não trilhe os caminhos de sua Floresta Negra interior.

Hic Sunt Dracones.

Viva sua vida sem surpresas, perca-se na rotina, cerque-se de certezas. Não dê ouvidos a tolos pseudo-poetas-filósofos-músicos que se embriagam de música e se encharcam de sofrimento nessa terra abandona e amada.

Sim, eu temo a morte; Sim, eu temo o vazio. Entretanto, eu ouso viver até o fim. E que um dia meus filhos possam ler isso e saber que os amo me enche repentinamente de um amor e uma coragem tão grandes que quase me estouram o peito. Amor  que até talvez seja maior que o medo de perdê-los, ou de me perder deles.

Definitivamente? Não escute essa trilha sonora. Mas se você ousar, atenção ao disco inteiro, uma após a outra. Se seu player tiver a opção de retirar as pausas entre as faixas, faça isso, pois as músicas têm continuidade - é como se o disco inteiro fosse uma faixa única. 


É uma experiência única  e emocionante. Assista o filme primeiro e, depois, ouça o disco. É um trabalho magistral de cordas e percussão, América e Europa juntas, passado e presente e futuro tão intensamente entrelaçados que derrubam com violência qualquer pré-noção que se possa ter em relação a ser ou estar.

Classificação:

Eu sei que já disse isso aqui várias vezes, mas gostaria de repetir: uma boa trilha sonora te faz rever o filme inteiro em tua lembrança. A trilha sonora de "A Fonte da Vida" te faz lidar com tua mortalidade, com teus limites, com tua insignificância diante do poder caótico e entrópico da existência.


A vida que abre fendas e quebra calçadas e asfalto, que faz com que células enlouqueçam e se multipliquem descontroladamente, que faz com que o ser que se considera supremo seja abatido por uma criatura microscópica... A vida que faz com que se morra por alguém, a vida que te faz querer viver mais, apesar da dor e do sofrimento.

Le roi est mort. Vive le roi.

Bem vindos ao paradoxo: A morte é o caminho para o sublime.

"Assim, estendemos a mão para o caos furioso, apanhamos alguma coisa pequena e brilhante e nos agarramos a ela, dizendo para nós mesmos que ela tem significado, que o mundo é bom, que não somos a encarnação do mal e que no fim iremos para casa.” 

Lestat de Liouncourt

Aqui falou Michel Euclides, o Ladrão de Almas, numa tarde quente e seca de Fevereiro, esperando uma chuva que talvez não caia, hipnotizado pelos grãos de poeira e tendo plena consciência de que um dia esteve no coração do Sol.

2 comentários:

Obrigado por comentar no 01Pd! Seja bem vindo e volte sempre!