quarta-feira, dezembro 23, 2015

Colina Escarlate (Crimson Peak) 2015




Na introdução de 1831 de Frankenstein, Mary Shelley descreveu a gênese de sua história clássica. Durante uma noite na companhia de seu marido Percy Shelley, Lord Byron, e outro hóspede, eles tiveram uma ideia para entreter um ao outro, escrevendo histórias de fantasmas. Mary Shelley não podia acrescentar nada a reunião e foi para a cama ainda pensando na ideia. Depois se tornou possuída pela imagem de um homem deitado sobre uma mesa que voltava lentamente a vida. Shelley lembrou que estava trancada em seu quarto pensando: "Eu achei que me aterrorizou e por isso podia aterrorizar os outros. Eu precisava apenas descrever o espectro que assombrou a minha meia-noite no travesseiro"


O diretor Guillermo Del Toro tem uma crença semelhante que as imagens que se aglomeram em seu cérebro podem vir a vida. Ele cria mundos intricados, esmagando a quem o assiste com detalhes, e os afogando com simbolismos. O fato de que a maioria do que está na tela seja físico, ao invés de gerados em computadores, ajuda. A atmosfera de Colina Escarlate/Crimson Peak explode com paixão sexual e segredos obscuros. Há um par de monstros (sobrenaturais e humanos), mas as emoções gigantescas são as mais aterrorizantes coisa na tela. Os filmes de Del Toro podem se tornar uma grande opera de emoções. Na era vitoriana na Inglaterra, o Lyceum Theatre impressionava o publico com efeitos de palco revolucionários projetados para trazer o horror de Macbeth (por exemplo) e apresentar novas formas viscerais de impressionar. O estilo de Del Toro se encaixaria perfeitamente com isso. Ele colocou-se nessa longa tradição e ele merece estar lá.


Uma herdeira americana, Edith Cushing (Mia Wasikowska), a heroína de Colina Escarlate, viu o fantasma de sua mãe morta quando ainda era uma criança, as sombras de seus longos dedos rastejando ao longo da parede ("roubado" de Nosferatu). Como uma jovem mulher e vivendo com o apoio do pai (Jim Braver), ela prefere os livros aos galanteadores, e está escrevendo uma história de fantasmas ("fantasmas são uma metáfora da minha vida", diz ela). Quando mulheres tolas, tentando ofende-la a comparam com Jane Austen, que morreu uma solteirona, ela responde friamente que preferia ser comparada a Mary Shelley que morreu viuvá. O isolamento livresco de Edith desaparece quando o irmão misterioso e sua irmã, Thomas e Lucille Sharp (Tom Hiddleston e Jessica Chastain) chegam na cidade. Os dois tem títulos ingleses elegantes, mas estão sem um tostão, pedindo apoio financeiro para uma das invenções de Thomas. Thomas persegue Edith com a queima de seus olhos brilhantes, tudo sobre o brilho atento dos de sua irmã, e Edith cai. Um optometrista chamado Alan McMichael (Charlie Hunnam) também está interessado em Edith, mas tem que ceder terreno a Thomas, embora com duvidas. Thomas se casa com Edith, e voltam com Lucille para a Inglaterra, para a propriedade da família, Allerdale Hall.

É em Allerdale Hall que o filme realmente começa, mas essas seções preliminares, a imersão no mundo de Edith, são igualmente importantes. A América é mostrada como uma terra de festas no jardim, piscando em sua iluminação a gás, atividades intelectuais e vida familiar. As cores são outonais, mostardas e alaranjadas. Lucille esbarra através dessa paisagem dourada dentro de vestidos cor de fogo carmim-pesados, ou toda de preto. É muitas vezes a chuva, criando sombras de formas subaquáticas nas paredes. Mas é um mundo civilizado com regras reconhecidas. Allerdale Hall, por outro lado, é uma ruína com torres pretas de uma mansão em pé em meio a campos vazios. Uma argila vermelha-carmesim escorre através de suas tabuas podres que revestem as paredes e o porão. O hall de dentro da entrada principal atinge o teto em altura, e por causa da deterioração do telhado, o salão, está sempre cheio do tempo la fora: folhas em queda, ou neve, conforme as estações. Alledale Hall é uma obra prima de designe, mas também de concepção. Rangidos e gemidos em turnos dão o tom lúgubre de seus cômodos e o vermelho do barro sempre ameaçando engolfa-la por completo.


Colina Escarlate é uma reminiscência de Interlúdio (Notorius) de 1946, a trama de Hitchcok, mas também ha uma clara influência de Rebecca, A Mulher Inesquecivel de 1940, do mestre do suspense. Em Interlúdio, Alicia Huberman (Ingrid Bergman) se casa com Alexander Sebastian (Claude Rains) como uma cobertura para sua tentativa de se infiltrar em um cartel Nazista. Uma vez na casa, ela é dominada pela mãe de Alexander (Leopoldina Konstantin), uma "Fraulen" monstruosa dos infernos. Tanto Colina Escarlate como Interlúdio possuem motivos visuais semelhantes, de xícaras de chá envenenadas a molhos de chaves. Há tomadas de câmeras em Colina Escarlate que espelham Interlúdio, um close-up em um molho de chaves onipresente com a chave desejada no topo da pilha, ou a câmera seguindo uma xícara de chá através do quarto. Como Alicia Huberman em Interlúdio, Edith sente que se pudesse obter a chave do porão, e encontrasse a fechadura certa, ela poderia entender os segredos enterrados naquela casa, e seu próprio destino.

Como em Labirinto do Fauno, Colina Escarlate cria um ambiente onde essas apostas altas podem operar em sua própria aceleração. Os visuais de Allerdale Hall chamam à mente os cineastas expressionistas alemães, bem como diretores tão diversos como Mario Brava e Alfred Hitchcock. Mas enquanto Colina Escarlate lança associações (Tradição do romantismo gótico, Hitchcock, Shirlley, O Iluminado de Kubrick, irmãos Grimm), que não é apenas uma homenagem, é um hibrido próprio de Del Toro. As imagens em si tem um grande poder: Uma mulher loura esgueirando-se através de uma casa escura, segurando um candelabro. Uma mulher de cabelos pretos caminhando em um chão nevado, carregando uma bandeja de chá em chocalhantes xícaras. Um homem em sua oficina criando brinquedos que abrem a boca para vomitar bolas de pratas. Edith vê horrores à noite através das portas, corredores para baixo. Ela deve ser corajosa suficiente para enfrentar estes fantasmas, de olhar nos olhos deles, para ver o que ela não é suposto ver. No lado oposto, Thomas e Lucille devem impedir que ela veja a verdade.

Del Toro usa um monte de antiguados truques de câmera. Ele pertence a velha escola em tudo, em enquadramento, movimento câmera e entendimento das relações espaciais. Há momentos em que, nos braços de Thomas, seu casaco preto ocupando metade da tela, e o movimento de câmera faz Edith se mover de lado e lentamente ser engolida pela escuridão.

O ato final apresenta um par de monólogos, como um derramar de segredos que alguns membros da audiência podem acha-los demasiados expositivos. Mas, novamente, na longa tradição do cinema, filmes de suspense costumam ser caracterizados por tais monólogos no último ato. Há um forte precedente para a eficacia destes dispositivos, e eles são eficazes aqui também. O realismo é um fenômeno recente, e os filmes de Del Toro não estão vinculados a essas exigências, embora as emoções em seus filmes sejam sempre real. Como os atores de antes do advento do cinema (e do close-up) Del Toro entende, que agindo precisavam, os atores, ser grande o suficiente para encher o teatro. Isso não significa, necessariamente discursar de foma oca. Isso significava que as suas emoções tinham que ser grande o suficiente para viajar, para alcançar os lugares mais baratos da plateia, para atender o escopo da história. O elenco de Colina Escarlate entende isso. Eles são todos emoções. Assistir a filmes de Del Toro é um prazer, porque sua visão é evidente em cada quadro. O melhor de tudo, porém, é a sua crença de que "o que o aterroriza vai aterrorizar os outros." Ele tem razão.

Bateu a saudade! O Velho Nerd voltou.

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