quinta-feira, agosto 14, 2014

True Detective - Continua dando o que falar

POR QUE NIC PIZZOLATO DE TRUE DETECTIVE NÃO É UM PLAGIADOR COMO DIZEM...


Mike Davis do LovecraftZine, um fansite dedicado ao mestre do macabro HP Lovecraft, recentemente postou um longo texto detalhando as inumeráveis, as vezes dissonantes, semelhanças entre as divagações existencialistas de True Detective por meio de seu personagem  Rust Cohle (Mathew MaCounaghey) e os escritos de culto ao horror de Thomas Ligotti, especialmente sua não-ficção no livro A Conspiração Contra a Raça Humana. Davis, reproduzindo uma conversa que teve com Jon Pandgett (o fundador de um fansite de Ligotti), lista vários casos em que Cohle parece estar canalizando o trabalho de Ligotti. Algumas das semelhanças são banais - tanto Cohle como Ligotti mencionam a "ilusão de um eu", que é basicamente uma introdução a Nietzsche - e outras são mais ostensivas, como comparar o mundo a um moedor de carne e uma sarjeta. Davis esta agora embarcando numa cruzada contra o criador de True Detective, Nic Pizzolatto, que teria plagiado um poeta auto-publicado, antes mesmo de ter ido ao ar a sua série de sucesso pela HBO.

Davis, ecoado por muitos de seus comentadores, opina que se trata de plágio puro e simples (Sério? Você acha que um escritor de um fansite sobre Lovecraft, ou qualquer outro autor, seria mais liberal sobre escritores que tomam de empréstimo outros escritores. Lovecarft ele mesmo "ripou" muito de Edgar Allan Poe, e foi posteriormente tantas vezes "ripado" por tantos outros autores que é difícil manter algum controle, mas a ironia é abundante) Mesmo assim o artigo difamatório de Davis contra o plágio não é tão cult como assunto. Isto não é um seminário de calouros em literatura e nem é Pizzolatto um autor do tipo copie-e-cole. O que ele faz é arte, e arte não é tão simples.

Davis faz repetidas menções de que a escrita de Pizzolatto para série tornou-se incrivelmente popular, permeando o moderno léxico da cultura pop, enquanto Ligotti continua a habitar em quase completa obscuridade. Isso é triste para Ligotti, embora ele mesmo tenha feito pouco para tirá-lo das sombras, mas este não é um fenômeno inédito. Na verdade, se Pizzolatto estiver disputando a grandeza no "roubo", ele estará em boa companhia.

Alguns escritores visualizam o plágio como uma parte natural do processo orgânico, em constante evolução conhecido como arte. Em seu ensaio apaixonante chamado de The Ecstasy of Influence (O êxtase da Influência), Jonhatan Lethem comparou a escrita ao Jazz, onde os músicos sempre "ripam" outros músicos, tomando seu material e manipula-lo, modifica-lo e muda-lo a ponto de torna-lo de sua própria posse. Citando Bob Dylan e William S. Burroughs como escritores que tem "plagiado" e são elogiados por ele, Lethem argumenta que o plágio tem sido sempre uma parte da escrita:
"A literatura tem sido um estado fragmentário saqueado por um longo tempo. Quando eu tinha treze anos, comprei uma antologia da escrita Beat. Imediatamente e para minha grande emoção, eu descobri um William S. Borroughs, autor de algo chamado Naked Lunch extraído em todo seu esplendor coruscante. Burroughs era um literato tão radical como o mundo tinha para oferecer. Mais tarde, na tentativa de entender esse impacto, descobri que Burroughs incorporou trechos de textos de outros escritores em seu trabalho, uma ação que eu sabia, meus professores chamariam de plágio. Alguns desses empréstimos tinham sidos tirados da ficção científica americana dos anos quarenta e cinquenta, acrescentando um choque secundário de reconhecimento para min. Até então eu sabia que esse "metódo cup-up", como Burroughs chamava, era central para tudo que ele achava que estava fazendo, e que ele, literalmente acreditava que fosse semelhante a magia. Quando ele escreveu sobre o seu processo, os cabelos de minha nuca se levantaram, tão palpável foi a emoção. Burroughs estava interrogando o universo com uma tesoura e um pote de cola, e o menos imitativo dos autores havia plagiado em tudo" (Tradução minha)
Mais sucintamente, um escritor pouco "conhecido", uma vez brincou: "Escritores medíocres tomam emprestado. Grandes escritores roubam". Seu nome era TS Eliot.

Como Quentin Tarantino disse uma vez: "se é bem feito, é uma homenagem, mas se for mal feito, é só plágio. A biblioteca de filmes que você pode encontrar sendo rasgado e ripado em outras produções é vasta e profunda. Alguns cineastas como Tarantino (da geração VHS) e Spielberg (da geração TV online), amalgamam suas influências para gerar seus próprios estilos; você sabe reconhecer um filme de Tarantino e de Spielberg quando você vê um. Eles tem personalidades distintas, atados com autoconsciência e estimulado pela mescla de estilos cinematográficos estabelecidos e "ripados" de outras produções. Tarantino em particular levanta-se de filmes obscuros que o inspiraram, e ele tem sido extremamente aberto quanto a isso. É claro que outros cineastas fazem exatamente isso, inundando seus filmes com tantas referências e alusões a outros filmes que começam a se parecer com um ouroboros, uma entidade recheada de gorduras de conhecimento e cultura pop em sua própria bunda.  (vejam Kevin Williamson lutando para recuperar o brilho dos dois primeiros Pânicos). Mas Pizzolatto não é Williamson, ele está mais para Tarantino.


Alguns dos filmes mais adorados do cinema americano descaradamente roubam de outros filmes. No original Star Wars, como qualquer amável e saudável filme americano, George Lucas enxerta cenas do filme (tecnicamente brilhante, moralmente repulsivo) de Leni Riefenstahl, a propaganda nazista, O Triunfo da Vontade. Brian De palma, que tem enfrentado uma batalha em acusações de que seja ele apenas um cineasta de segunda categoria que pilha Hitchcock, transferiu uma cena de O Encouraçado Potemkin para sua icônica cena do carinho de bebê no tiroteio da escadaria em Os Intocáveis. Kubrick arrancou de A Carruagem Fantasma na sua cena, também icônica, "Here's Johnny!!!" em O Iluminado. Os Caçadores da Arca Perdida rouba sua famosa cena da pedra rolando de Viagem ao Centro da Terra. Sergio Leone, descaradamente, refez Yojimbo - e foi processado por isso, como -, em Um Punhado de Dólares. O amado filme de animação da Pixar, Up tem uma impressionante semelhança com um curta francês, chamado Beyond e Matrix... bom, acho melhor parar por aqui.


O fato em questão é que os artistas arrancam coisas de outros artistas o tempo todo, e o que Pizzolatto fez não é incomun ou moralmente condenável. Mais importante, faz sentido dentro da estrutura da série com Rust Cohle afirmando que todos nós estamos sob a ilusão de que existe um eu, que é uma ideia que ele tem de um escritor obscuro que toma emprestado de Williams S. Burroughs, Edgar Allan Poe e HP Lovecraft. As pessoas estão sempre tentando passar as coisas que leram com sua ideias junto. Por que Cohle seria diferente?


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