quinta-feira, janeiro 30, 2014

Ender's Game - O Jogo do Exterminador

Ender's Game - 2013
Dir: Gavin Hood (alguém pare esse cara)
Elenco: Asa Butterfield, Harrison Ford, Ben Kingsey.

Pois é, as férias acabaram e nós estamos aqui mais uma vez. Não consegui me aguentar e voltei um pouco antes do esperado. E, pra começar bem o ano, vamos falar de decepção.
Algumas obras são inadaptáveis e simplesmente não podem ser transpostas de sua mídia original sem perdas significativas. É o caso de Watchmenn, por exemplo, que com muito sacrifício obteve uma adaptação cinematográfica decente, mas ainda assim dividiu opiniões. Outro caso célebre é o livro O Iluminado, cuja adaptação (um clássico do diretor Stanley Kubrick) desagradou tanto ao autor da obra original, o escritor Stephen King, que levou o mesmo a adaptá-la para o audiovisual com as próprias mãos. E ficou uma droga.
E inadaptável é como eu considero o livro O Jogo do Exterminador, ficção científica de 1977 do autor Orson Scott Card. Primeiramente gostaria de deixar bem claro que sou apaixonado por esse livro e o que vou tentar fazer agora é quase impossível. Vou tentar fazer uma análise de sua adaptação para as telas sem levar em consideração a obra original. Ou seja, vou tentar analisar o filme como filme, não como adaptação.
Mas antes disso, vou dizer de uma vez: Ender's Game - O Jogo do Exterminador é uma adaptação medíocre de um livro significativamente poderoso, complexo e relevante. Toda a trajetória (auto)destrutiva de Andrew Wiggin foi reduzida a uma aventura espacial com doses moderadas de violência. É uma adaptação covarde de um livro visceral e corajoso, violento, mas nunca gratuito. Nas mãos de um diretor com um mínimo de coragem, poderia vir a ser um novo Clube da Luta. Mas nas mãos de Gavin Hood, o responsável pelo atroz X-Men Origens: Wolverine, não passa de uma aventura divertida e empolgante para todas as idades.
Um dia desses faço uma resenha do livro, que merece, mas hoje analisaremos o filme.


Ender's Game conta a história de Andrew "Ender" Wiggin, um garoto de seus 13, 14 anos, que, em um futuro relativamente distante, é recrutado para treinar em uma estação espacial chamada Escola de Guerra, a qual o preparará para uma futura batalha contra uma raça alienígena que, 70 anos antes, quase vitimou a humanidade, os formics. Após relutar brevemente, levando em consideração a situação desgraçada na qual vive na Terra (Andrew é um terceiro filho, em uma sociedade na qual, por conta de um rigoroso controle de natalidade, o terceiro filho é visto de forma quase marginal) e as (altas) confusões nas quais acabou se metendo, Ender aceita e se muda para a Escola, onde será treinado para liderar, possivelmente, um exército na guerra contra os formics.


Aqui começa a parte difícil, porque acredito que quem não leu o livro não vai se dar conta da dimensão da desgraça na qual o garoto se meteu ao aceitar o "convite" do Coronel Graff (Harrison Ford). O filme não dá essa ideia, mas sigamos.
Ao chegar à tal escola, Ender experimenta as mais variadas situações: do desprezo generalizado à descoberta de grandes amigos, de violência gratuita a atos realmente nobres, da marginalidade ao heroísmo.
Por mais rápido e simples que o filme seja, por mais que ele dilua a ideia original a modo de fazê-la tornar-se quase dócil, ele não se torna superficial (ao menos não ao ponto de torná-lo irrelevante), não se torna ruim. Apesar da mão frouxa de Gavin Hood e da enxugada que ele deu no roteiro (e dos cortes nada suaves dos produtores, que podem ser notados pela edição grosseira), Ender's Game se segura como uma aventura empolgante e redonda e uma ficção científica com cara de crítica velada ao governo americano (sendo que esta crítica se mostra já na obra original e de uma forma bem mais escancarada e atual), e, pelo fato de a história ser apresentada como algo nada inovador (mas ainda assim envolvente), o longa atrai mesmo pela técnica, pelo visual, pelo espetáculo.


Convenhamos que, despindo a obra de praticamente toda sua subtrama política, de toda sua violência visceral, de todo o seu questionamento humano, de quase todo o seu drama intimista, e transformando-o em aventura juvenil, o que resta é, além da ideia (lembrem-se, ideias são à prova de balas e, não importando o quanto se tente destruí-las, elas sobreviverão), o visual. E este é absurdo! Seja pelo design das naves, das batalhas em gravidade zero (que são lindas e extremamente subutilizadas), pelo visual dos alienígenas, pela fotografia cristalina de Donald McAlpine (de Moulin Rouge), pelos efeitos visuais em si, é notável o cuidado que se teve com essa área. A trilha sonora, por vezes clássica, outras vezes eletrônica, de Steve Jablonsky (Transformers 3) também não desaponta e, mesmo soando comum em alguns momentos, confere uma credibilidade à atmosfera alienígena do longa que o próprio Gavin Hood não conseguiu dar. Quanto ao elenco, há excelentes atores subutilizados (o caso mais doloroso é o de Abigail Breslin com seus quase dez minutos de cena) e atores consagrados que não fazem grandes esforços, como Harrison Ford, no modo automático e Ben Kingsley, caricato. Já o protagonista, interpretado por Asa Butterfield, não compromete.
O ator em si não é um caso extremo de nada, nem é incrivelmente ruim nem surpreendentemente bom e, na maior parte do tempo confere a seu personagem uma inexpressividade até bastante condizente, mostrando-se um ator interessante em momentos específicos (as explosões de fúria de Ender ou seus lapsos de tristeza). E até se torna interessante pelo aspecto doente que adquire com o passar do longa.
Outra coisa que incomoda um bocado é a falta de noção de perigo, a falta de desafio para o protagonista. Eu tinha dito que tentaria evitar a comparação ao livro, mas esse ponto é gritante até mesmo se levarmos apenas o filme em conta. Não há o que justifique o crescimento de Ender na hierarquia da escola de guerra, pelo menos não há nada que seja mostrado em tela que justifique. Dois combates em gravidade zero e a luta menos empolgante do livro mostrada de uma forma muito apressada e bem menos grandiosa. Não há o que o faça crescer como personagem, apesar de que a atuação relativamente sólida de Butterfield suporta isso de forma convincente. Pra se ter uma ideia, além do antagonista Bonzo Madrid (que tem um final extremamente tosco), o único personagem que realmente causa alguma sensação de risco é o irmão mais velho de Ender. 
Ender's game tinha um potencial arrasador, optou por não se arriscar de maneira nenhuma, e o resultado final foi um filme que deve agradar a quem nunca ouviu falar do livro e decepcionar muito quem já o leu. Eu, como fã, fiquei desapontado. Como expectador, levando-se em consideração que o diretor é um sujeito medíocre e que minhas expectativas eram bem baixas, até fiquei surpreso pelas qualidades. E como não há grandes falhas de roteiro, pode-se dizer que o único grande defeito é a falta de coragem (e noção) do diretor, o que já compromete muito o longa. Se esse mesmo roteiro fosse dado nas mãos de alguém mais inteligente ou, pelo menos, corajoso, o resultado seria infinitamente superior. Um Francis Lawrence ou até mesmo um Shawn Levy ou (em um mundo perfeito, onde tudo é correto e todas as pessoas são felizes) um David Fincher fariam um negócio inacreditável.

No fim das contas, o resultado é bem mediano. É até meio absurdo porque é agradável de ver. E não deveria ser. Veria outra vez? Sim, talvez, quem sabe? Talvez tenha uma versão estendida que adicione um pouco de coragem à obra que me faça assisti-lo novamente.

Mas aí você deve estar se perguntando: mas se você falou tão mal do filme, por que dar 3 luas? Porque, jovem gafanhoto, eu sou fã dessa porcaria. E, como fã, fiquei muito aliviado de não ter visto um novo Percy Jackson. Além disso, o filme não é ruim. Só não é tão bom quanto eu queria.


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PS: esse frame no trailer? É a última cena do filme.


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