sexta-feira, outubro 18, 2013

Cantoria 2 - Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai, ou: Ano que vem, quem sabe, há de chover.

Dia 291.

"Era casa era jardim 
Noites e um bandolim
Os olhares nas varandas
E um cheiro de jasmim...
Era um telhado um pombal
Melodia e madrigal
E ninguém nem percebia
Que o real e a fantasia
Se separam no final...
Lara-larara-larara..."


Não há beleza que supere o luar no sertão, ou mesmo as miragens de vapor e fogo e ar quente que se elevam da terra tostada do semi-árido. A persistência da vida contra a inclemência do sol, a ligação profunda com o Deus do Velho Testamento, a aceitação muda da morte, a sacralidade da rara chuva, a musicalidade do sertanejo...




Nordeste: agruras e lindezas que surgem entre pedras, espinhos e leitos secos de rio. Ossos de animais mortos, a esperança que se esvai no vento quente de setembro, a poeira vermelha que adentra alma adentro, o último resquício de água no pote, as últimas folhas verdes, a salvação no mandacaru...

E ainda assim, entre sofreres e morreres, aceitar a beleza pequena do dia-a-dia solar, deleitar e deleitar-se ao som de violões, viagens, despedidas, enterros, semi-prazeres e ousar enfrentar a terra dura e crestada...

A música deste quarteto reflete esta realidade. O Nordeste pulsa aqui com uma cantiga lamentosa de amor, de amigo, de saudade, de sede e de fome de chuva, de rios, de lagos. Onde a chuva rareia, o homem se torna escravo dos poderosos - porém, mais poderoso é Deus, que tudo pode e a todos castiga pela mácula original que todos trazemos desde Adão, Eva e Caim.

A beleza da cabocla sertaneja, a malemolência de olhos escuros e cabelos clareados pela lida sob o sol.

As mãos calejadas do trabalho seco, duro e inglório.

Crianças feitas adultas antes do tempo, paisagens mortas onde a vida dormita sob cascas de barro vermelhas.

As promessas de Março e suas águas...

"Ano que vem, se Deus quiser, há de chover", pensa o sertanejo, e fica em sua terra queimada. Quem sabe? 


A melhora mora bem ali, no futuro.

"Cantoria 2" é trabalho que continua e eleva o que foi feito em "Cantoria". A música aqui é idolatrada e tratada com fartura, carinho e atrevimento: ao escutar este disco, tornamo-nos vítimas desta maneira de ver o mundo, onde cada dia é uma pequena morte e um pequeno renascimento.

"Cantoria 2" é uma ode ao que em nós há de nordestino, de obstinado, de valente. Aquilo que em nós é revestido de couro, e que adentra a caatinga espinhenta e faz o que tem que fazer - seja com a enxada, o facão, o fogo ou o sangue.

Beleza montada num redemoinho de poeira e quentura.


Ano que vem, quem sabe, há de chover. Enquanto isso, vou ficando por aqui.

Bom fim de semana.

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