segunda-feira, junho 24, 2013

The Joshua Tree - U2, ou: Pelas encruzilhadas (Grande Sertão: Veredas).

Dia 171. Michel 157.

É arrogância pensar que a vida deve ter um sentido, ou que o mundo existe em função de nós mesmos. É arrogância achar que a natureza se curva para dar a nós o que há de melhor, e que a humanidade é a cereja do bolo do Universo.


É arrogância, principalmente, conferir características humanas a Deus. Mas isso vem de sermos vazios e incompletos, narcisistas e ególatras. 


O senhor ache e não ache. Tudo é e não é ...


Enfim...


Hoje falaremos de um disco fodástico daquela que é uma das maiores bandas de Rock de todos os tempos: U2. O trabalho em questão chama-se "The Joshua Tree" (1987), e é um clássico incontestável.


Escutar "The Joshua Tree" é ouvir reverberar em si o vazio que vem com o vento, com a chuva e com a poeira. É encher-se com a água eterna das corredeiras e nunca estar satisfeito. É poder voar para onde se queira, mas sempre desejar ir para cima, cada vez mais alto. É sobre não se aceitar, é sobre não saber perder, é sobre não saber dar valor ao que achamos.




A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?


O espelho sempre é menos ou mais - nunca suficiente. 


Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.




O reflexo te sorri - uma careta que te assusta. Estar em casa e querer sair, estar fora e querer voltar. Sentir falta da liberdade, desejar estar preso quando se está só. Querer amor sem amar, desejar amar quem não te ama. Odiar quem se importa contigo, adorar quem te ignora. Ser amigo do inimigo, desconhecer o irmão.


Vazio: grandes paisagens. Grande Sertão: Veredas.


Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.



Estar de braços abertos no meio do nada, poeira, mato seco, horizontes e promessas de chuva. As árvores secas, com suas mãos abertas em desespero pedindo por um pouquinho de água que caia do céu...


E nós só querendo nos perder, nos achar, ficar por aí, desejando e perdendo o que se conquistou para não ter o que levar depois da morte...

O senhor sabe o que é silêncio é? É a gente mesmo, demais.


Saber que a morte ronda, que cada curva ou alto na estrada te reserva uma surpresa... não é muito isso, viver com esse antagonismo da gente com a gente mesmo? Não é maravilhoso não saber, mas mesmo assim continuar perguntando e perguntando, enquanto o mundo se irrita e tenta nos derrubar na tentativa de nos aquietar?


No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!



Abraçar esse vazio, queimar essa angústia em holocausto a si mesmo... ser altar e ser templo, adorado e adorador: carece não de saber o sentido das coisas - basta sentir as coisas. Viver é simples: nós é que complicamos o roteiro. Viver é só: dia após dia após dia até um dia que não vai ter depois. E então? Ter medo ou ter coragem, dizer uma palavra sonora e cheia de intenção, ou gritar de desespero, e destinar um cantinho para a alma ou a memória. Palavras: vento de lâminas em tempestade.

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas.



"The Joshua Tree" é um disco e um portal para um deserto, um sertão, uma qualidade em nós. Você diz vazio, eu vejo potência. Capacidade. Nunca estar satisfeito, viver sonhando de olhos abertos, reclamar do colchão macio e da comida boa: como eu disse esses dias para minha querida amiga Gabriela Dias: "essa porta nunca fecha".



E fim.



Nos vemos por aí, nos desertos nossos. Nas encruzilhadas do sertão. 

Pela chuva, pelo vento, pela poeira: palavras e música. 


A morte é para os que morrem.


P.S.: Não sei a doideira que me deu, mas senti o clima do disco combinando total com o clássico de Guimarães Rosa "Grande Sertão: Veredas". Vossas senhorias encontrarão pelo texto citações retiradas deste livro sem qualquer pudor meu, às vezes funcionando, às vezes não. Mas, no fim, ficou algo bacana, melhor do que eu esperava. Espero que gostem, e que leiam o livro - ao som do disco, se possível.

Abraços.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por comentar no 01Pd! Seja bem vindo e volte sempre!