domingo, junho 02, 2013

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Dia 152 - Felipe Pereira 148

Eternal Sunshine of the Spotless Mind - 2004
Dir: Michel Gondry
Elenco:  Jim Carrey, Kate Winslet, Elijah Wood, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo e 
Tom Wilkinson.

"How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd"
(Alexander Pope)

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças conta a história de um sujeito meio antissocial, Joel (Jim Carrey) conhece uma mulher completamente maluca, Clementine (Kate Winslet) em uma viagem à praia que faz com dois amigos. Os dois saem, passam um tempo juntos e acabam namorando por um tempo até que o relacionamento começa a se tornar um incômodo, os dois passam a brigar o tempo todo, tem uma discussão mais grave e vai cada um para seu canto.
No dia seguinte ele vai até ela e ela simplesmente parece não saber quem ele é e, pior, já está com outro cara, muito mais novo. Ele tenta contato, mas ela o ignora, muda de número de telefone, passa a fugir dele.
É quando ele faz a descoberta que muda tudo.
Lacuna é uma empresa que promete livrar o cliente dos momentos angustiantes da vida, momentos dos quais alguém gostaria de esquecer, coisas, em geral, tristes e que trazem sofrimento. Na época em que o filme se passa, a véspera do dia dos namorados americano (o valentine’s day) a clínica da Lacuna fica cheia de gente querendo apagar relacionamentos mal sucedidos da memória. Na verdade o dia dos namorados é para a Lacuna o que o natal é para as Americanas.
A proposta da Lacuna é fazer uso de um procedimento médico teoricamente seguro para mexer na área do cérebro responsável pelas memórias, rastrear a origem e o início de uma memória específica e apaga-la de uma vez por todas da cabeça da pessoa. É algo como a Rekall de O Vingador do
Futuro, mas ao contrário: ao invés de implantar memórias sintéticas, os caras apagam memórias verdadeiras de modo a fazer parecer que elas nunca estiveram lá. E ainda enviam cartões para as pessoas mais próximas do paciente para que elas não toquem no assunto da memória apagada, só para não dar margem de erro ao procedimento.
E é exatamente isso que Clementine faz. Ao chegar num ponto do relacionamento em que não poderia se chegar a mais lugar nenhum, no qual tudo o que restava era mágoa, dor e tédio, ela decide abrir mão de tudo e resetar o próprio cérebro até um ponto em que Joel simplesmente não existisse em sua vida.
E quando descobre isso o cara surta! Entra em desespero, ele amava a mulher e não sabia o que tinha feito de errado para que ela tomasse uma decisão tão agressiva. Ele decide fazer igual. Contrata a Lacuna e decide apagar Clementine de sua vida também.
O procedimento é simples (em termos), inclui recolher todos os objetos que remetam à memória a ser apagada para que se possa fazer um mapa neural de onde começa e onde termina a memória em questão. Após isso se faz um teste de associação a objeto, o sujeito com um monte de fios e eletrodos na cabeça, observa fotos e objetos pessoais que remetam ao período em questão enquanto um “profissional” observa as áreas do cérebro que sofrem alteração quando o paciente vê o objeto. Tudo é catalogado e mapeado e, uma noite, uma equipe de profissionais treinados e capacitados vai até a caso do paciente e executa o processo de apagar suas memórias dolorosas: enquanto a pessoa dorme um computador ataca o cérebro da pessoa destruindo os “arquivos” a serem excluídos definitivamente.
Essa equipe é formada pelos experientes Patrick (Elijah Wood) e Stan (Mark “JJ Abrams” Ruffalo), os dois vão até a casa de Joel, que se encontra pesadamente sedado, e iniciam a operação.
E tudo corre bem até o momento em que Joel, após reviver alguns momentos com Clementine, momentos que ele próprio havia esquecido em decorrência do mau momento: os bons momentos. E o cara percebe a estupidez que estava fazendo apagando aquilo de si, percebe o quanto ele precisa daquilo, daquelas memórias, e o quanto o que ele está fazendo é covarde e mesquinho.
E ele decide parar. Mas talvez já seja tarde demais, tudo parece já estar encaminhado e ser inevitável. Então ele dá início a uma verdadeira corrida contra o tempo com o objetivo de salvar Clementine do procedimento. E ele vai fazer isso saltando em sonhos, de memória em memória, tentando impedir que a moça seja tragada pela operação, impedir que todos aqueles momentos sejam perdidos para sempre.
E o negócio é muito Inception, cara! Vale lembrar que o filme é de 2004, Inception naquela altura não passava de uma ideia!
O bacana é que aqui os sonhos e as memórias de Joel, as quais ele briga tão ferrenhamente para proteger, dentro de sua cabeça dopada e confusa são um emaranhado de acontecimentos desconexos e situações abstratas: prédios que desabam do nada, carros caindo do céu, casas que se tornam praias, esquinas e portas que dão sempre no mesmo lugar, o sujeito esquece o tempo inteiro que tá sonhando e, claro, um bando de malucos do lado de fora do mundo tá dando choques na cabeça dele pra apagar o que tá acontecendo lá dentro.

O roteiro de Brilho Eterno é uma coisa genial: escrito pelo semi esquizofrênico Charlie Kaufman (Quero Ser John Malkovich e Adaptação), um cara no mínimo pirado. Dizem que a mente dos loucos funciona em outra frequência, certo? A de Kaufman não funciona numa frequência terrestre. O cara eleva a criatividade baseada em insanidade a outro nível. Ele deve pensar: “que tipo de coisa ainda não foi contada no cinema? Ah, já sei, vamos colocar o John Cussack trabalhando num prédio que tem uma porta que dá na cabeça do John Malkovich!” Kaufaman é um sujeito e tanto, é capaz de causar uma descarga elétrica cerebral de qualquer um, mas sem apelar para o lado David Linch da coisa, ele consegue se manter compreensível mesmo com toda sua piração. E com o roteiro de Brilho Eterno ele conseguiu uma coisa única: um roteiro tão não linear de um jeito que simplesmente não existem furos nele e, mesmo que existissem, poderiam muito bem ser apenas mais uma peculiaridade da história.

E o que falar do diretor, o francês Michel Gondry? Sujeito consciente do material que tem em mãos, dá tudo de si e entrega uma das obras mais fantásticas do cinema moderno! Um cara comedido dentro de sua insanidade (que só sendo maluco pra adaptar tão bem um roteiro do Kaufman) em um trabalho intimista e universal. Quem nunca sentiu vontade de apagar um amor que deu errado que atire a primeira pedra!

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças é um filme belíssimo, parece que não acaba nunca tamanha a luta de seu protagonista por um final, não feliz, confortável. Joel não quer reatar com Clementine (não depois do que ela fez), ele tomou uma decisão estúpida num momento de raiva e se arrependeu dela. Tudo o que ele quer é um pedaço da memória daquela mulher e ele é capaz de, dentro daquele mundo que desaba a seu redor, fazer qualquer coisa por essa memória.

Tudo isso finalizado ao som dessa canção:
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