Não pode pagar
pelo seu carro, o banco toma de volta; Não pode pagar pela sua casa, o banco
toma de volta; Não pode pagar pelo seu fígado, bem, é aí que eu entro.”
Dia 93 - Felipe Pereira 90
Repo Men - 2010
Dir: Miguel Sapochnik
Elenco: Jude Law, Forest Whitaker, Alice Braga, Liev Schreiber.
Imagine o cenário: num futuro distante uma grande
corporação médica chamada A União
passou a comercializar a cura para todos os males (ou maioria esmagadora
deles): órgãos artificiais com baixíssimo nível de rejeição, o que prolonga
consideravelmente a vida das pessoas e reduz ao mínimo riscos causados por
problemas cardíacos, respiratórios, etc. A empresa até mesmo desenvolve
próteses mecânicas para membros do corpo com um nível incrível de perfeição e
precisão.
Perfeito, não? Sim, claro. A não ser que você não possa
pagar, nesse caso um maníaco homicida vai até sua casa, te ataca com um taser e
pega de volta o patrimônio da empresa. Sério. Só pra deixar claro: você comprou
um fígado? O cara vai lá e arranca ele fora. Sem anestesia, sem beijinho, sem
cantada, o maluco vai lá, te abre e arranca teu fígado fora. E se for um
coração? Sério? Tu não entendeu ainda?
O mais legal? Os caras tem liberdade pra agir, são
profissionais legalizados e sindicalizados, nenhuma lei pode condená-los por
seus atos e você assina um contrato dando total liberdade para que um desses
FDPs entre na sua casa e te mate. Mas isso se passa num futuro em que a
inflação tá tão aloprada e a crise tá tão fud*da que o governo dos EUA optou
por abrir falência! Parece absurdo, mas talvez o filme não se passe num futuro
tão distante assim.
Repo Men conta
a história de Remy (Jude Law). Remy
é um coletor, um dos sujeitos responsáveis por recolher a mercadoria de volta
em caso de mal pagador, até o dia em que o equipamento de trabalho do cara dá
um curto, ele toma um choque monstruoso e quase morre. E ele próprio precisa de
um coração vendido na empresa onde trabalha. O problema? A empresa não paga a
ele o suficiente para manter um dos brinquedos. Outro problema? A apólice de
seguro dele obrigava a empresa a implantar um nele em caso de acidente de
trabalho. Outro problema ainda maior? Funcionários não ganham desconto!
Quer mais? A mulher do cara larga ele por causa do
emprego desgraçado, leva o filho junto, ele não consegue mais trabalhar depois
do ocorrido, simplesmente por que percebe que estaria matando pessoas na mesma
condição que ele e que um dia alguém viria até a casa dele cobrar o pagamento
e, sem conseguir trabalhar e sem saber fazer outra coisa além de matar, ele
acaba perdendo o emprego.
Quer mais? A empresa manda no encalço de Remy seu melhor
amigo, Jake (Forrest Whitaker) para
cobrar a dívida. Mas aí você pensa: ah, mas o cara é o melhor amigo do sujeito,
vai ajuda-lo nesse momento, vai acobertá-lo, ajuda-lo a fugir e a mudar de
vida, certo? Não. O sujeito é um doente, um psicopata e ama o trabalho que faz,
assim como Remy antes de ter passado pelo que passou.
E quando se vê nessa situação e incapaz de fazer qualquer
coisa para muda-la, tudo o que Remy pode fazer é... Putz, toda vez que eu
escrevo Remy eu lembro do rato da Pixar... Enfim, tudo o que Remy (respire
fundo e continue) pode fazer é fugir e se esconder. Em sua fuga desesperada o
cara conhece Beth, uma cantora de bar interpretada por Alice Braga que teve o corpo quase que inteiramente reconstruído
por próteses da União e, com seu cachê de cantora de barzinho, também não pode
pagar. Afinal couvert artístico não garante vida de ninguém.
E os dois iniciam juntos uma fuga alucinada para tentar
salvar as próprias vidas.
Repo Men é um filme cínico, violento e inteligente pra
caramba que mistura drama, ação, ficção científica e um humor ácido para
criticar e tirar sarro das corporações e empresas que arrancam o nosso fígado
se nós não dançarmos conforme suas músicas (obviamente, no caso do filme isso é
no sentido literal).
Por falar em música, a trilha sonora do filme é
sensacional e sim, eu tava sem ideia de como prosseguir com o texto, então usei esse
recurso TekPix de mudança rápida de assunto para dar sequência, mas você tem
que admitir que foi muito ninja da minha parte. Tem de Beck a Nina Simone, de
Rock a Blues, a Alice Braga cantando Cry Me A River, aliás foi lá que eu ouvi
Unkle pela primeira vez numa das sequências de luta mais malucas que eu vi na
vida!
O elenco do filme também é sensacional. Law convence
muito em seus dois momentos, o primeiro no qual é um psicopata que adora o que
faz e, no segundo, arrependido e mudado, tentando dar um novo rumo à própria
vida. Whitaker é um maníaco durante o longa inteiro e não sofre de
arrependimento nem pensa em mudança em momento algum. Outro destaque é o chefe
de Remy e Jake, interpretado por Lieve Schreiber que costuma convencer em tudo
o que faz.
É um filme agressivo em sua ideia e por vezes explícito
demais (na verdade é explícito demais em todas as vezes, basta ver a cena na
qual dois personagens removem os órgãos um do outro ao som dessa música: http://www.youtube.com/watch?v=X20e4na8-Es em algo que remete a uma sena de sexo totalmente deturpada),
que acredita verdadeiramente na própria teoria e tenta mostrar isso por meio do
choque. Tem seus altos e baixos, talvez seja um pouco cru demais, mas seus acertos
se sobrepõe a seus erros e a ideia que ele tenta passar é assimilada, de uma
forma ou de outra. Tem um Q de Clube da Luta, agrada a alguns pela ação e pela
violência, desagrada a alguns pelo mesmo motivo e chama a atenção de outros
pela ideia principal, que não fica jogada na sua cara.
Sem dúvida um dos filmes mais bacanas que eu vi
recentemente.
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Massa Felipe! Esse é tão cru que se ficasse mal passado não daria pra engolir!
ResponderExcluirUma das cenas em que fico mais besta é quando o Remy tenta questionar a parada toda com o Jake e a idéia simplesmente nem coça na careca do pessoa! Essa foi uma que me fez perceber ainda mais o quanto "a caverna" é "tão agradável" pra quem não consegue sair da bolha, e torna-se doentia pra quem tá saindo dela (Remy). Muito louco!
E mais! A degeneração total dos valores humanos: dos que tiveram a idéia, da política e da economia que fundamentou tudo isso como meio de "vida" e, pior, com um aparato legal absolutamente assinado embaixo por uma sociedade inteira de psicopatas.
Qualquer semelhança com o que nossa civilização está se tornando será mera coincidência?...
Filmes como esse deviam ser estudados por um semestre inteiro numa Universidade com Graduação em Humanidade! rsrs
Concordo principalmente com o trecho da sociedade de psicopatas amparados pela lei, meu chapa! Muito bem colocado.
ExcluirE é um fato que a sociedade tem se afundado cada vez mais em violência barata e bem aceita. Nós estamos caminhando lentamente de volta para a caverna, de onde alguns acreditam nunca deveríamos ter saído.