Tudo na vida de Fat Charlie é comum e banal, desde a hora que acorda até o horário de dormir.
Ele poderia ser eu. Ou você. Não fosse por um simples fato que ele desconhece:
Fat Charlie Nancy é filho de um deus: Compé Anansi, a Aranha.
Neil Gaiman é, antes de ser escritor, um contador de histórias. Um puta contador de histórias. Ele é capaz de pegar e cruzar referências disparatadas e costurá-las numa trama crível e bem contada. Ele te pega desde a primeira página de maneira despretensiosa, e te leva a conhecer lugares e pessoas. Depois de um tempo, você sente como se os conhecesse, e eles passam a fazer parte de sua vida.
As historias de Gaiman nunca são simples, apesar de partirem de um ponto que parece insignificante.
Em "Os Filhos de Anansi", o Sr. Nancy, pai de Fat Charlie, falece poucos dias antes do casamento do filho. Charlie então embarca numa viagem de volta para os EUA - muito a contragosto - para participar do velório de seu pai.
O que faz Fat Charlie ir desgostoso ao enterro de seu pai são as lembranças de seu relacionamento. O Sr. Nancy sempre foi um senhor idoso muito vivaz e extravagante, excelente cantor e dançarino, e que gostava de pregar peças em todo mundo - principalmente em seu filho.
Aqui reforço minha solidariedade ao Fat Charlie, pois que meu pai é meio Anansi também. Quem o conhece sabe do que eu estou falando.
Mas como eu falei anteriormente, nada é simples para os personagens de Gaiman, e umas após as outras as coisas vão dando errado, até o ponto em que Fat Charlie descobre que tem um irmão que jamais conheceu. Ele então é orientado por uma das quatro velhas senhoras que cuidaram do velório do seu pai a "pedir para uma aranha" chamar seu irmão.
Assim ele o faz, e somos então apresentados ao oposto de Fat Charlie: Spider.
Um cara legal, descolado, estiloso, que deixa toda a mulherada excitada só ao chegar. Um cara que transpira mojo. Cheio de sorte. O único a herdar os poderes divinos de Anansi, e ele os usa todos a seu favor.
A entrada de Spider na vida de Fat Charlie é o início de uma série de acontecimentos ora cômicos, ora desastrosos, ora trágicos e ora tudo junto. A narrativa de Gaiman é fluída e cheia de reviravoltas, mas sem ser apelativa e cansativa. Sua escrita é simples e bem humorada, mas sem ser simplória. Gaiman é dono de um estilo cativante, e você facilmente se tornará um leitor assíduo deste rapaz.
Um desfile de personagens maravilhosos e envolventes, tão humanos - ou divinos - quanto nós; vilões assustadores e cômicos, marcantes e inesperados; lugares tão bem contados que temos a sensação de estar lá; acontecimentos tão bem narrados que... bem, poderiam acontecer com você.
Eu não estou brincando.
Recomendo pra caramba.
Abraços e até a próxima no 01Pd - sua dose diária de cultura.
Assim que li Deuses Americanos, saí em disparada atrás deste, mas os reviews que li na epoca, sempre o considerando inferior, me deixaram desanimado.
ResponderExcluirAté que peguei o livro em mãos. Pô, o livro não é inferior em nada a Deuses Americanos, apenas tem outra linha de ação, ainda que ligeiramente no mesmo universo.
Eu não posso dizer que prefiro Os Filhos de Anansi a Deuses Americanos, mas são ambos ótimos livros, num universo com regras e leis muito vivas e, até mesmo, lógicas de uma forma como apenas um sonho pode dar lógica às coisas que acontecem.
Vale a pena ler.
E até hoje eu sonho com uma contiuação...