sábado, março 30, 2013

Ocean Rain - Echo & The Bunnymen, ou: Sorriso Louco de Lua Cheia.

Michel 83. Dia 88.

Algo não pode surgir do Nada. Os gregos sabiam disso: os gregos e seu caos, a desordem primordial, onde tudo jazia, mas ainda não era.

Ouvindo "Ocean Rain" (1984), é impossível não pensar nas palavras "caos" e "primordial". Existe aqui, na música de Echo & The Bunnymen, uma qualidade que é, ao mesmo tempo, angustiante e bela: uma urgência, uma necessidade, uma premência: um desejo desesperado, uma vontade inexorável de ver as coisas, de senti-las, de tê-las. Mais do que fazer, deseja-se possuir algo/alguém. Ser dono, fazer sentido em meio à cacofonia dos elementos.

Percebe-se isso na fluidez retratada nos arranjos, na grandiosidade, na violência: uma liquidez, uma qualidade daquilo que jorra ou que cai. Uma precipitação, um movimento - sangue, água, sal, chuva, ondas. Algo que corre, algo que busca, algo que se destina. Uma pressão irresistível, que segue seu caminho a despeito dos obstáculos.

"(...) A água dá o exemplo da conduta correta nessas condições. Prossegue fluindo e vai preenchendo todas as depressões que encontra. Não vacila ante nenhuma passagem perigosa, não retrocede ante nenhuma queda, e nada a faz perder sua natureza essencial. Ela permanece fiel a si mesma em todas as circunstâncias. (...)"

I CHING, Hexagrama 29: K´AN - O ABISMAL - julgamento (trecho).

Assim é a música em "Ocean Rain": segue rumo a algum lugar sem parar, fluindo através e apesar dos espaços e obstáculos. Música que mexe com o que em nós é sombra, e que está oculto.


E todos sabemos que não se deve brincar levianamente com aquilo que está escondido e que não sai à luz.


Um disco sombrio e profundo, de dimensões arquetípicas, num nível prometéico de punição e recompensa. Um disco com sabor de proibição e desafio.

Um disco que traz em si a estampa de hybris, ao mesmo tempo em que inunda a Terra para eliminar os ímpios.

Um disco clássico, prenhe de Rock 'N' Roll. Um disco para ser curtido sozinho com chá, biscoitos, Jung e I Ching.

Um disco para poucos, para ser ouvido no volume máximo, para mexer com as harmonias, para lançar descargas elétricas do chão para o céu. Para se ficar desconfortável, mas ainda assim sorrir um sorriso meio louco de lua cheia.


Ou então nem mexa.








Abraços sombrios de sábado à noite. Nos vemos por aí.

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