segunda-feira, março 04, 2013

Amos Lee - Amos Lee, ou: Keep it Loose, Keep it Tight

Michel 58. Dia 63.



Poucas são as pessoas que sabem falar de amor hoje em dia. Pensam que o amor é um conceito fechado, redondo, certo - um jogo de peças de encaixe.

Não poderiam estar mais errados. O amor romântico é mais uma das mais bem sucedidas criações humanas, mas a danada é resiliente. Resiste à passagem do tempo e infecta uma grande quantidade de pessoas com suas ideias/falhas/apoios de felicidade e esperança e paz.

O que as pessoas esquecem? Amor é sofrimento e sacrifício. É dar-se, doar-se, perder-se, esquecer-se, abdicar de si, erradicar o ego. Amar é jogar fora todos os conceitos vazios e desgastados e construir com as peças da rotina algo novo e visceral, algo que resista à passagem do tempo e à morte das paixões.

O que isso tem a ver com a música de Amos Lee? Tudo.

Para Amos, em seu disco de estreia - "Amos Lee" (2005)- amar é perder-se nos braços da mulher amada. Relaxar sentindo o cheiro de sua pele, de seus cabelos... é abrir mão daquilo que te definia até o momento em que você conhece a pessoa por quem você decide se sacrificar. Amar torna-se, então, não um ato de salvar, mas de perder-se. E no ato de perder-se, ver-se salvo.

É um conceito zen-budista, Haju-hogyo-Jiza, que significa: “ser livre e natural no processo de segurar e soltar". Por favor, sem trocadilhos sexuais aqui, a coisa é séria. Não prender tão fortemente a ponto de sufocar, não deixar tão solto a ponto de perder, mas isso deve ocorrer de uma maneira natural e "sem forçar a barra".

Amar assim é complicado, né? Pois que, para nós, amor e posse são sinônimos. "Minha mulher", "meu filho", "minha vida"...

Não. 

Escute a música de Lee. Ele mescla folk, funk, jazz, soul e blues de uma maneira tão fluida e natural que você se sente num bar em algum lugar atemporal no sul dos EUA, num daqueles bares próximos de um rio pantanoso, tomando um bom brandy.

Um som tão simples e tão poderoso... uma voz totalmente despretensiosa e, também por isso, tão tocante... cheia de sutilezas e variações e artifícios... uma voz rica. Riquíssima, rouca  e maleável, que pode ir do grave ao agudo sem perder a delicadeza - acompanhada por violões, pianos, violoncelos e violinos tão agradáveis e naturais que a música parece fazer uma peça só, maciça e cheia de significado, com suas letras que falam - sim! - de amor, de amar, de perder, de deixar ir, de ficar.



Eu queria poder selecionar apenas uma música, mas este disco sozinho é a trilha sonora da vida de alguém que amou desde o primeiro dia de existência. Alguém que, sinestesicamente, encontra significado num sentimento de entrega que mistura todos os sentidos de viver no ato de adorar alguém. É tanta humildade que soa arrogante amar assim. 



E eis, então, paradoxos em toda a parte, cercando tudo, preenchendo a realidade, combatendo a falsa noção de que amar é ser feliz, quando se percebe, depois de um tempo, que amar é Haju-hogyo-Jiza.

Escute Amos Lee deitado numa rede num domingo de manhã, numa casa de serra, compartilhado com o canto dos pássaros e o barulho do vento. Um cheiro de café se espalha suavemente, misturado com o aroma do pão. Você ouve o barulho das crianças e suspira, alegre, enquanto se regozija pelos rumos que sua vida tomou. Ainda que não sejam aqueles que você havia planejado, hoje você sabe que tem a quem amar. Pessoas por quem se sacrificar. 

Recrie seus conceitos de amor. Jogue fora aquilo que a mídia e o comércio te vendem. Ame com carne, sangue e alma.

Escute Amos Lee e preencha-se com boa música. Um disco perfeito para pessoas que amam um amor imperfeito, mas pleno e verdadeiro.

Keep it Loose, Keep it Tight.












Boa noite de segunda feira a todos, estejam onde estiverem, atravessando a tempestade que seja. Lembrem-se apenas de que, às vezes, é melhor ser levado do que lutar contra a correnteza.

O Ladrão de Almas.

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