Parte I - Sobre ser Pai (você pode pular esta parte, se quiser. Mas leia a segunda - lá embaixo!).
Eu fui uma criança complexa, e nunca mudei muito. Por ter
facilidade de aprender e uma sede voraz de consumir conhecimento, espalhei-me
em várias áreas, arranhando aqui e ali assuntos que vão de política, biologia,
geografia, astronomia, música...
Sempre admirei e me identifiquei com os grandes
artistas/criadores – como Da Vinci -, e com os grandes cientistas – como Carl
Sagan e Richard Feynman -, não pelo seu talento, mas pela necessidade absurda
de saber. Pode soar como falta de foco para você, mas para mim é apenas quem eu
sou.
Tive vários sonhos – ser músico, escritor, cientista... –
mas descobri-me professor, abraçado à Filosofia, tendo uma visão cética – e às
vezes cínica! – de mundo. Coloquei-me então como alguém que, na maioria das
vezes, espera nada de todos, e que não se espanta com a maldade das pessoas.
Li centenas de livros, ouvi milhares de músicas, vivi
milhões de vidas. No meio dessas vidas, entre dias e noites, admirei as nuvens
e as estrelas, sempre procurando saber. E no meio dessa sede tão grandiosa,
percebi-me pequeno, ínfimo e desprezível diante da grandeza do Universo.
No início foi assustador; Hoje é belo. Comparar-me à
infinitude passou a ser desnecessário, e minha vida então tornou-se apenas uma
pequena chama a arder no meio de bilhões de outras, sem nada de especial além
do fato de ainda estar acesa.
Então nasceram meus filhos, Nicholas e Maria Julia. Deixei
de ser alguém desimportante e passei a ser Papai, esta entidade semidivina,
poderosa e assustadora, que às vezes age, outras observa. Juiz e júri, dono da
razão, Última Palavra, Monstro... – facetas de um pai, enfim.
Mas escolhi também ser amoroso, carinhoso, presente,
ouvinte, dedicado e gentil. Tornei-me um pai que, quando erra é capaz de
admitir e pedir desculpas; que se mostra falho e incompleto, frágil e que
também tem dúvidas. Minha voz pode ser dura e trovejante, mas também suave e
mansa. Um pai que escuta e olha para os filhos, que aprecia suas pequenas e
grandes conquistas, que explica o que quer, por que quer e como quer. Que tenta
ser, acima de tudo, justo.
Descobri que um pai pode ser, além de temido e respeitado,
amado e aguardado. Muitas vezes, tanto quanto a Mãe.
A lição mais dura para mim enquanto pai é não poder
protege-los dos males do mundo e das pessoas. Sei que não posso estar tão
presente quanto gostaria, e que minhas ausências serão confundidas com omissão.
Sei que devo deixá-los tentar e errar sozinhos, e que há coisas que não vou
poder ensinar – algumas por não saber, outras por ter de deixá-los aprender por
si mesmos.
Aprendi que ser pai é uma missão solitária, e hoje perdoo
muitas coisas do meu por entendê-las e aceitá-las. Por saber-me pai, compreendi
um pouco do meu. E acredito que isso pode me fazer ser melhor.
Para mim, muito do filme “Interestelar” (Interstellar), de
Christopher Nolan, é sobre ser pai. A devoção, a maneira carinhosa de aceitar
que os filhos são pessoas diferentes, a dedicação a esses pequenos-grandes que
vai acima de tudo, aceitar missões e sacrifícios que são, na maioria das vezes,
incompreendidos...
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Parte II - O filme (você também pode pular esta parte, embora eu o desaconselhe fortemente).
A vida da humanidade na Terra está condenada por uma praga
que mata os cereais e acaba com o oxigênio livre no ar. Cooper, o personagem de
Matthew MacConaughey, é um ex-piloto da NASA que atualmente cultiva milho em
uma fazenda, cuidando da melhor maneira possível – com a ajuda de seu sogro,
Donald – de seus dois filhos, Tom e Murphy (... e Mcckenzie Foy, numa atuação
belíssima). Após uma série de acontecimentos estranhos no quarto da filha,
Cooper encontra o que sobrou da NASA e um plano mirabolante de buscar outros
planetas que viabilizem a vida humana em outras galáxias através de um wormhole que “surgiu” nas proximidades
de Saturno.
A beleza da fotografia e a trilha sonora sensível e profunda
de Hans Zimmer haviam nos tocado antes, desde o início; o carinho de Cooper por
Tom e Murphy, sua capacidade de reconhecer as limitações e as qualidades de
cada um, a maneira como conversa com eles apenas com os olhos... tudo isso nos
joga no meio de uma situação que, quando acontece, te maltrata ao extremo:
Você seria capaz de deixar sua família para trás, sabendo
que talvez nunca mais os encontraria, para salvá-los?
Cooper decide fazê-lo, e podemos perceber sua dor com a
recusa de Murphy em aceitar isso. Ele segue para a nave e parte rumo ao
desconhecido junto com os exploradores com a benção e o abraço do filho, mas
sem o aval da filha, que queria que ele ficasse. Mesmo assim ele parte, pois
seu objetivo era maior. Seu amor pelos filhos era tão grande que ele decidiu
sacrificar os poucos anos que teriam juntos em troca de um futuro para eles.
Senhoras e senhores, apenas “A Fonte Da Vida” e “A Árvore da
Vida” me fizeram chorar tanto. Cada reviravolta, cada decisão de Cooper e do
grupo, a paixão de Murphy pela ciência e a obstinação em não compreender o pai,
o sofrimento dele em não poder voltar e a cada erro cometido... meu coração se
apequenava a cada vez que a promessa dele para a menina ficava cada vez mais
difícil de cumprir:
“Eu voltarei”.
Sobre os atores? Ninguém eclipsa McConaughey e Foy. Pai e
filha juntos têm uma química tão profunda que é impossível não se envolver na
relação dos dois, e lamentar a partida dele. Michael Caine não precisa se
esforçar como o físico diretor da NASA; Casey Affleck, que faz Tom adulto, não
tem tempo em cena para aparecer como já fez; Jessica Chastain apenas dá
continuidade ao brilhante trabalho de Foy (e a semelhança física entre as duas
é fantástica); Anne Hattahway está bem no papel de Amelia Brand, mas já esteve
melhor em outros papeis; Matt Damon surge inesperadamente no filme e, enquanto
está lá, tem o filme só para ele.
Outros destaques são os robôs TARS e CASE (vozes de Bill Irwin e
de Josh Stewart), tanto pelo design quanto pela personalidade, e pelo papel que têm
para o fechamento do filme – comentei com o Felipe que TARS, principalmente,
redime o HAL9000.
E as semelhanças deste filme com o cinema de Tarkovsky,
Kubrick e Spielberg são muitas – a família como núcleo, personagens morrendo a
cada fase/parada, dilemas morais, máquinas tão humanas quanto os humanos, os
silêncios nas cenas externas no espaço... Nolan usa suas referências, porém,
com sobriedade e sabedoria, impondo seu próprio ritmo e identidade ao filme. As
subtramas que se entrelaçam e o didatismo dele estão lá, mas não são
cansativos. Acho-os necessários para a compreensão – ainda que superficial – da
trama.
E o filme é baseado nas teorias científicas de viagens
espaciais, buracos de minhoca, tecido espaço-temporal e buracos negros
(principalmente do físico Kip Thorne, que foi consultor do filme junto a
Jonathan Nolan, roteirista do mesmo. Mas mesmo Thorne ficou triste – de acordo
com ele – com as nuvens congeladas/nuvens de gelo – pelo fato de que tais
estruturas não suportariam seu próprio peso e ruiriam.
O design da nave, das roupas e uniformes, robôs... tudo de
feito no Nolan’s Way, artesanalmente... nas cenas em que os atores estavam
dentro da nave e olhavam para fora, por exemplo, foram usados projetores em
paredes – de tal maneira que a reação deles à vista do espaço era para algo
realmente visível, e não a uma tela de fundo verde.
Não sei se consigo falar mais sobre este filme, e mesmo
sabendo que já escrevi muito, sinto que muita coisa ficou de fora. Mas não
consigo, simplesmente, abarcar tudo – minha mente entrou em estado de transe
durante e após o filme, e só hoje consegui arrumar as ideias e coloca-las para
fora de maneira coerente.
Nolan não é um cineasta perfeito – The Dark Knight Rises
acena para você! -, eu sei. Sim, há furos no roteiro, e o Deus ex machina mete demais o bedelho na história; sim, há muito
didatismo nas explicações, e isso pode ser chato – não, é chato. Mas as
qualidades do filme superam com muita facilidade essas pequenas imperfeições.
“Interestelar” é lindo, humano, sincero. Esforça-se para ser
visto como ciência, e obtém êxito na maior parte da tentativa. Seu final aberto
não é cínico nem tolo, mas crível e ingênuo de uma maneira boa. O diretor de
Amnésia, Inception e The Dark Knight, junto com seu irmão Nolan e com seu amigo/parceiro
Hans Zimmer conseguiram mais uma vez.
Na minha opinião, a ficção científica está em boas mãos com
Nolan na direção.
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Espero que vocês possam perdoar a longa introdução (caso tenham lido!) sobre “A
Arte de Ser Pai no século XXI”, mas também desejo que vejam esse filme e
procurem entender a emoção que senti ao ver o amor de Cooper por seus filhos e
pela humanidade. Espero sinceramente que este texto ajude-os e leve-os ao
cinema para que possam assistir a este que é um dos melhores filmes deste ano.
E que ele possa tocar seus corações e reconectar, de alguma forma, pais e
filhos.
E nunca façam uma promessa a um filho seu se não pretendem
cumpri-la.
E se fizerem, nem que tenham de atravessar o Universo
inteiro, cumpram-na.
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