domingo, novembro 23, 2014

Interestelar (Interstellar), 2014 - Chistopher Nolan, ou: como um bom pai pode salvar o mundo.


 Parte I - Sobre ser Pai (você pode pular esta parte, se quiser. Mas leia a segunda - lá embaixo!).

Eu fui uma criança complexa, e nunca mudei muito. Por ter facilidade de aprender e uma sede voraz de consumir conhecimento, espalhei-me em várias áreas, arranhando aqui e ali assuntos que vão de política, biologia, geografia, astronomia, música...

Sempre admirei e me identifiquei com os grandes artistas/criadores – como Da Vinci -, e com os grandes cientistas – como Carl Sagan e Richard Feynman -, não pelo seu talento, mas pela necessidade absurda de saber. Pode soar como falta de foco para você, mas para mim é apenas quem eu sou.

Tive vários sonhos – ser músico, escritor, cientista... – mas descobri-me professor, abraçado à Filosofia, tendo uma visão cética – e às vezes cínica! – de mundo. Coloquei-me então como alguém que, na maioria das vezes, espera nada de todos, e que não se espanta com a maldade das pessoas.

Li centenas de livros, ouvi milhares de músicas, vivi milhões de vidas. No meio dessas vidas, entre dias e noites, admirei as nuvens e as estrelas, sempre procurando saber. E no meio dessa sede tão grandiosa, percebi-me pequeno, ínfimo e desprezível diante da grandeza do Universo.

No início foi assustador; Hoje é belo. Comparar-me à infinitude passou a ser desnecessário, e minha vida então tornou-se apenas uma pequena chama a arder no meio de bilhões de outras, sem nada de especial além do fato de ainda estar acesa.

Então nasceram meus filhos, Nicholas e Maria Julia. Deixei de ser alguém desimportante e passei a ser Papai, esta entidade semidivina, poderosa e assustadora, que às vezes age, outras observa. Juiz e júri, dono da razão, Última Palavra, Monstro... – facetas de um pai, enfim.

Mas escolhi também ser amoroso, carinhoso, presente, ouvinte, dedicado e gentil. Tornei-me um pai que, quando erra é capaz de admitir e pedir desculpas; que se mostra falho e incompleto, frágil e que também tem dúvidas. Minha voz pode ser dura e trovejante, mas também suave e mansa. Um pai que escuta e olha para os filhos, que aprecia suas pequenas e grandes conquistas, que explica o que quer, por que quer e como quer. Que tenta ser, acima de tudo, justo.

Descobri que um pai pode ser, além de temido e respeitado, amado e aguardado. Muitas vezes, tanto quanto a Mãe.

A lição mais dura para mim enquanto pai é não poder protege-los dos males do mundo e das pessoas. Sei que não posso estar tão presente quanto gostaria, e que minhas ausências serão confundidas com omissão. Sei que devo deixá-los tentar e errar sozinhos, e que há coisas que não vou poder ensinar – algumas por não saber, outras por ter de deixá-los aprender por si mesmos.

Aprendi que ser pai é uma missão solitária, e hoje perdoo muitas coisas do meu por entendê-las e aceitá-las. Por saber-me pai, compreendi um pouco do meu. E acredito que isso pode me fazer ser melhor.


Para mim, muito do filme “Interestelar” (Interstellar), de Christopher Nolan, é sobre ser pai. A devoção, a maneira carinhosa de aceitar que os filhos são pessoas diferentes, a dedicação a esses pequenos-grandes que vai acima de tudo, aceitar missões e sacrifícios que são, na maioria das vezes, incompreendidos...

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Parte II - O filme (você também pode pular esta parte, embora eu o desaconselhe fortemente).

A vida da humanidade na Terra está condenada por uma praga que mata os cereais e acaba com o oxigênio livre no ar. Cooper, o personagem de Matthew MacConaughey, é um ex-piloto da NASA que atualmente cultiva milho em uma fazenda, cuidando da melhor maneira possível – com a ajuda de seu sogro, Donald – de seus dois filhos, Tom e Murphy (... e Mcckenzie Foy, numa atuação belíssima). Após uma série de acontecimentos estranhos no quarto da filha, Cooper encontra o que sobrou da NASA e um plano mirabolante de buscar outros planetas que viabilizem a vida humana em outras galáxias através de um wormhole que “surgiu” nas proximidades de Saturno.


A beleza da fotografia e a trilha sonora sensível e profunda de Hans Zimmer haviam nos tocado antes, desde o início; o carinho de Cooper por Tom e Murphy, sua capacidade de reconhecer as limitações e as qualidades de cada um, a maneira como conversa com eles apenas com os olhos... tudo isso nos joga no meio de uma situação que, quando acontece, te maltrata ao extremo:


Você seria capaz de deixar sua família para trás, sabendo que talvez nunca mais os encontraria, para salvá-los?

Cooper decide fazê-lo, e podemos perceber sua dor com a recusa de Murphy em aceitar isso. Ele segue para a nave e parte rumo ao desconhecido junto com os exploradores com a benção e o abraço do filho, mas sem o aval da filha, que queria que ele ficasse. Mesmo assim ele parte, pois seu objetivo era maior. Seu amor pelos filhos era tão grande que ele decidiu sacrificar os poucos anos que teriam juntos em troca de um futuro para eles.

Senhoras e senhores, apenas “A Fonte Da Vida” e “A Árvore da Vida” me fizeram chorar tanto. Cada reviravolta, cada decisão de Cooper e do grupo, a paixão de Murphy pela ciência e a obstinação em não compreender o pai, o sofrimento dele em não poder voltar e a cada erro cometido... meu coração se apequenava a cada vez que a promessa dele para a menina ficava cada vez mais difícil de cumprir:

“Eu voltarei”.

Sobre os atores? Ninguém eclipsa McConaughey e Foy. Pai e filha juntos têm uma química tão profunda que é impossível não se envolver na relação dos dois, e lamentar a partida dele. Michael Caine não precisa se esforçar como o físico diretor da NASA; Casey Affleck, que faz Tom adulto, não tem tempo em cena para aparecer como já fez; Jessica Chastain apenas dá continuidade ao brilhante trabalho de Foy (e a semelhança física entre as duas é fantástica); Anne Hattahway está bem no papel de Amelia Brand, mas já esteve melhor em outros papeis; Matt Damon surge inesperadamente no filme e, enquanto está lá, tem o filme só para ele.


Outros destaques são os robôs TARS e CASE (vozes de Bill Irwin e de Josh Stewart), tanto pelo design quanto pela personalidade, e pelo papel que têm para o fechamento do filme – comentei com o Felipe que TARS, principalmente, redime o HAL9000.

E as semelhanças deste filme com o cinema de Tarkovsky, Kubrick e Spielberg são muitas – a família como núcleo, personagens morrendo a cada fase/parada, dilemas morais, máquinas tão humanas quanto os humanos, os silêncios nas cenas externas no espaço... Nolan usa suas referências, porém, com sobriedade e sabedoria, impondo seu próprio ritmo e identidade ao filme. As subtramas que se entrelaçam e o didatismo dele estão lá, mas não são cansativos. Acho-os necessários para a compreensão – ainda que superficial – da trama.

E o filme é baseado nas teorias científicas de viagens espaciais, buracos de minhoca, tecido espaço-temporal e buracos negros (principalmente do físico Kip Thorne, que foi consultor do filme junto a Jonathan Nolan, roteirista do mesmo. Mas mesmo Thorne ficou triste – de acordo com ele – com as nuvens congeladas/nuvens de gelo – pelo fato de que tais estruturas não suportariam seu próprio peso e ruiriam.

O design da nave, das roupas e uniformes, robôs... tudo de feito no Nolan’s Way, artesanalmente... nas cenas em que os atores estavam dentro da nave e olhavam para fora, por exemplo, foram usados projetores em paredes – de tal maneira que a reação deles à vista do espaço era para algo realmente visível, e não a uma tela de fundo verde.

Não sei se consigo falar mais sobre este filme, e mesmo sabendo que já escrevi muito, sinto que muita coisa ficou de fora. Mas não consigo, simplesmente, abarcar tudo – minha mente entrou em estado de transe durante e após o filme, e só hoje consegui arrumar as ideias e coloca-las para fora de maneira coerente.

Nolan não é um cineasta perfeito – The Dark Knight Rises acena para você! -, eu sei. Sim, há furos no roteiro, e o Deus ex machina mete demais o bedelho na história; sim, há muito didatismo nas explicações, e isso pode ser chato – não, é chato. Mas as qualidades do filme superam com muita facilidade essas pequenas imperfeições.

“Interestelar” é lindo, humano, sincero. Esforça-se para ser visto como ciência, e obtém êxito na maior parte da tentativa. Seu final aberto não é cínico nem tolo, mas crível e ingênuo de uma maneira boa. O diretor de Amnésia, Inception e The Dark Knight, junto com seu irmão Nolan e com seu amigo/parceiro Hans Zimmer conseguiram mais uma vez.

Na minha opinião, a ficção científica está em boas mãos com Nolan na direção.


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Espero que vocês possam perdoar a longa introdução (caso tenham lido!) sobre “A Arte de Ser Pai no século XXI”, mas também desejo que vejam esse filme e procurem entender a emoção que senti ao ver o amor de Cooper por seus filhos e pela humanidade. Espero sinceramente que este texto ajude-os e leve-os ao cinema para que possam assistir a este que é um dos melhores filmes deste ano. E que ele possa tocar seus corações e reconectar, de alguma forma, pais e filhos.

E nunca façam uma promessa a um filho seu se não pretendem cumpri-la.

E se fizerem, nem que tenham de atravessar o Universo inteiro, cumpram-na.

Até. 

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