segunda-feira, novembro 11, 2013

Espelho Cristalino - Alceu Valença, ou: O sertão de minha mente.

Dia 315. 

É como um redemoinho insano de fogo e poeira correndo pelo terreno avermelhado do sertão noturno. No céu, lua e estrelas são obscurecidas pela repentina violência do vento que vem sem nenhuma promessa de chuva.




Não há redenção para o povo do nordeste.

Não há salvação em minha mente.

Anjo de Fogo - Alceu Valença
Eu sou como o vento que varre a cidade

Você me conhece e não pode me ver

Presente de grego, cavalo de Tróia

Sou cobra jibóia, Saci Pererê

Um anjo de fogo endemoniado

Que vai ao cinema, comete pecado
Que bebe cerveja e cospe no chão

Um anjo caolho que olhou os dois lados

Dormiu no presente, sonhou no passado
Olhou pro futuro e me disse que não
Não!

"Espelho Cristalino" é o quinto disco de estúdio de Alceu. Um trabalho sanguíneo, que recende a poeira, calor e inquietação. Um álbum prenhe de músicas que se apoiam em lendas e em histórias do nordeste, trazendo ao ouvinte um estranho deja vu que o leva até as portas do inferno - ou do céu, dependendo do ponto de vista.
Grandes extensões de secura, planícies vermelhas pontilhadas de galhos secos e espinhos. Somente o sertanejo vive ali, combatendo súcubos e íncubos famintos e invejosos. O vento é uma benção e uma maldição. A poesia é saída e escravidão. 
Viver é benção e condenação.

A música de Alceu aqui soa como o som da peixeira sobre o couro seco, ou o tilintar dos poucos caroços de feijão no fundo da panela velha de alumínio. Tem gosto de água do fundo do pote, tem cheiro de café feito agora. 
Eu Sou Você - Alceu Valença
Mergulhei no mar azul

No vento avoei
Eu quis ser o sol
Pra entrar pela janela
Dos olhos de quem não vê
Que eu sou eu e sou fulano
Sou sicrano sou você
Eu sou você

Sustenta esse coro Eu sou você
No pé da garganta Eu sou você
A chuva chocendo Eu sou você
Poeira alevanta Eu sou você
Um sopro na rua Eu sou você
Poeira levanta Eu sou você
Sustenta a pisada Eu sou você
No pé da garganta Eu sou você

Promessa, dívida, juramento de sangue: trair e ser traído, buscar lavar a honra com sangue. No sertão, não há muito espaço pras palavras. O que é meu é meu; se for tirado de mim, hei de voltar com o couro e o sangue daquilo. Se não pode ser meu, não vai ser de mais ninguém.
Um disco clássico de um artista que já caminhou várias vezes pelas sendas ressequidas do sertão. Alguém que, volta e meia, caminha pelo sertão de minha mente e diz, com convicção verdadeira, que me conhece.

Cinco luas do sertão.

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