quinta-feira, agosto 15, 2013

The Last Of Us - Agora acabei - Parte 2

Game do mês - Parte 2 - Assis Oliveira


Da última vez que estive aqui para cravar o game do mês com este mesmo lançamento, o fiz de uma maneira apressada motivado pelo medo que ele me causou. Era meu primeiro dia de contato com ele.e o tinha jogado em cerca de 20%. Agora que o conclui sinto-me mais a vontade para fazer mais alguns comentários com o intuito de não ser injusto, nem com o leitor nem com game. Assim pela primeira vez no 1PD nosso game do mês terá uma segunda parte.




A Naughty Dog sabe bem o segredo dos chamados "survival games", ou games de sobrevivência em bom português. Ele está exatamente no tênue equilíbrio entre o poder do protagonista e as forças que este enfrenta. E isto não é um mero detalhe. Por exemplo, pensem no melhor survival horror que você conhece. Agora imagine jogá-lo com vida infinita e uma bazuca como arma, não teria o mesmo efeito a nível emocional porque independentemente da atmosfera, do som ou do poder dos inimigos, nós sentiríamos invencíveis

É na fragilidade que Joel e Ellie evidenciam em comparação com o mundo hostil por detrás das linhas defensivas da zona de quarentena que está o segredo para a imersão de The Last of Us. Tecnicamente é um colosso, um exemplo de polimentos e detalhismo, todavia nos convida a entrar na disposição emocional e levá-nos a picos que raramente sentimos na história dos consoles de games ou PC's. Começa pelo prólogo que eu não me atreveria a revelar e apenas dizer que é muito forte e nos fornece uma ideia de que por quais caminhos o jogo pretende evoluir em sua narrativa.

O mundo encontra-se literalmente "virado do avesso", vinte anos depois do aparecimento de uma variação humana do fungo conhecido como Cordycep. Uma escolha bem acertada pelo produtores da Naughty Dog, para inspiração. O Cordycep é um tipo de fungo que ataca vários tipos de inseto na natureza, afetando principalmente as espécies mais numerosas, para que nenhuma se torne dominante dentro do seu ecossistema.


Podemos vê-lo também como uma forma da natureza forçar o equilíbrio da vida na terra, e vendo como nós humanos enquanto espécie, continuamos a proliferar e extinguir outras especies no processo, não é difícil de se colocar dentro de um cenário de fantasia onde uma variante mortal de qualquer vírus nos "coloque no lugar". Depois de infectado, o sujeito tem apenas algumas horas até perder todas as características que o tornavam humano, a sua agressividade torna-se latente, vai perdendo a visão e desenvolve um sistema de ecolocalização que torna o silêncio precioso. Eventualmente a mutação infecciosa acaba por se desenvolver para o exterior do sujeito, acabando por explodir, matando-o e largando esporos minúsculos que contaminam quem os respirar.




A esta altura grande parte da população humana esta morta ou infectada, e o restante uniram-se em grupo que se dedicam a pilhar e matar pelos restos de recursos que ainda existem. Não ha produção industrial e por isso tudo é raro, o combustível acabou, os pneus dos carros secaram e a unidade monetária deste tempo são os preciosos cartões de comida que permitem às pessoas viver mais um dia. São tempos assustadores, onde o próprio mundo desconhecido lá fora é o antagonista principal.

A maior parte dos caminhos está cortado, ou por barreiras militares, ou por amontoados de sucatas ou pela própria arquitetura que acabou de ruir sobre as estradas. A passagem de zona em zonas acontecem sempre por caminhos poucos convencionais, por tuneis, telhados, ou pelo, interior da ruínas de uma outrora prospera civilização. O detalhe de cada zona é impressionante, esteticamente é uma fantástica reprodução do que uma zona em abandono dever ser, e tecnicamente é do melhor que essa geração de console pode oferecer.

Lembro-me de passar por algumas áreas e pensar, "eles não podem ter animado todo interior daquele ônibus sem colocarem dentro algo pra apanhar", lá ia eu cuidadosamente investigar, e nada, "como eles se atrevem a não me compensar por estes 50 metros?" a quantidade de detalhes não tem a ver com o que o mundo nos está disposto a dar, mas com a credibilidade que lhe empresta, os recursos são escassos de fato, o game nos força a senti-lo. Muitos dos elementos dos cenários respondem à lei da física e ao contato de quem joga, o interessante neste caso é que passamos muito tempo em navegação furtiva e temos que nos preocupar em não pisar ou não tombar em nada que possa alertar os infectados ou os saqueadores para nossa presença. É desconcertante o mundo, sentimo-nos permanentemente perdido, sem nunca estar de fato. A desorganização do espaço aparenta um sem número de escolhas, mas ao mesmo tempo o game orienta-nos como por magia para o caminho certo, algo que só se pode atribuir ao nível de design.





Não vou falar acerca das motivações de Joel e da sua ligação com Ellie, mas é exatamente neste campo que julgo estar o ponto mais forte de The Last of Us, e onde ele faz a mídia e o gênero avançarem para outros patamares de exigências. Joel já não está na flor da idade, e teve em tempos uma vida "normal" e precisou de se adaptar às novas circunstância do mundo, já Ellie, para ela isto é a norma, tudo que conhece do "antes" são histórias que os sobreviventes mais velhos contam. Mesmo o mundo para lá do muro é uma surpresa total para ela que sempre viveu em zonas de quarentena. Ellie representa a inocência e esperanças próprias da juventude, Joel é o oposto. É na interação destas duas figuras antagônicas que o game se comunica e tem algo a dizer. A forma como se utiliza de constantes diálogos entre os dois sem retirar o controle do personagem ao jogador é assinalável, mas do que a escrita, o que impressiona é a forma como eles se comportam entre si e com o meio. A linguagem gestual - sim ela existe -, as expressões faciais, muito bem detalhadas e a interação com os objetos no espaço são do melhor que já vi em videogames.

Existe muito das chamadas "cutscenes" sim, mas a maioria da interação entre os personagens acontece de modo dinâmico enquanto jogamos, com montanhas de diálogos que vão desde coisas mundanas como os sonhos de infância de Joel até às decisões mais difíceis que tem de tomar. Todas essas interações são contextualizadas e se beneficiam da soberba inteligência artificial em que me habituei a confiar. Se Ellie gritar "cuidado Joel, à tua direita!", confiem vem paulada na sua direita.

O comportamento dos inimigos também consegue ser bastante evoluído, e diferente se considerarem os estágios da infecção e os humanos com que nos cruzamos durante o jogo. Quando os infectados foram confirmados como os antagonistas do game, confesso que fiquei preocupado e temi que eles se tornassem centrais demais durante a aventura, especialmente quando penso que ultimamente a mídia tem abusado um pouco dos nossos amados zumbis, portanto foi bom dar um descanso a eles. Os infectados não são apenas mais um motivo de preocupação, e estão longe de ser os adversários mais perigosos, sequer os mais frequentes. A infecção á algo que marca o tom, que define o exterior, o verdadeiro perigo são os outros humanos, encontrar alguém que não nos queira matar no primeiro contato é uma raridade. Preparem-se por isso para momentos de violência extremas, o game está carregado de cenas chocantes, linguagem forte, violência explicita e momentos de dureza emocional.





Controlar Joel se torna mais "pesado" do que o que lembro do último UNCHARTED, da Naugthy Dog, também com a perspectiva na terceira pessoa, mas uma visão mais próxima e claustrofóbica  que se abre nos espaços exteriores para não esconder a beleza da natureza a invadir as cidades. Não existem interrupções para usar um kit de medicamentos ou um sistema de montagem de armas, mas se pode comprar melhorias para as armas carregarem mais rapidamente ou um pouco de saúde adicional para Joel só para dar dois exemplos.

É um sistema de progressão rápido, que se foca em desbloquear conveniência,  vão continuar a ter momentos em que se tem apenas 4 balas e nenhuma forma de recuperar a saúde, tem que se viver com isso, com essa certeza, a melhor forma possível de incentivar a abordagem furtiva. Existem nove armas diferentes que se juntam as garrafas e tijolos espalhados por todo lado. Podemos utiliza-los para arremessa-los à cabeça dos inimigos, mas o seu principal proposito é a distração sonora para (des)orientar os infectados nas redondezas especialmente os malditos "estaladores" que nos matam apenas com um ataque.

É aqui que entra a mecânica única, que permite a Joel parar para escutar cuidadosamente onde estão os inimigos. Ok, em termos práticos isto significa ver através das paredes, mas não é tão simples como parece, o seu alcance é limitado, e considerando os estalos e os arrulhos que fazem os infectados, facilmente perceberíamos onde estavam se nos encontrássemos naquela situação. Não me pareceu uma mecânica abusiva da realidade, permite perceber quantos inimigos estão no quarto ao lado, mas o fator decisivo está todo na paciência e na abordagem que escolhermos para atravessar determinada área.



Posso destacar alguns pormenores que ajudam a manter a autenticidade da experiência, por exemplo as pilhas da lanterna vão falhando e temos que sacudir o controle, como se estivéssemos a dar umas pancadas na lanterna para recupera a luz. As armas descasam junto a mochila nas costas de Joel à medida que as apanhamos, e ficam lá quando não estamos a usá-las todas aparente, não é um protagonista que carregue um arsenal como por magia, todas nos bolsos. A musica tem um papel tão importante nos momentos de tensão tanto como durante os momentos de relaxamento, o objetivo é sempre de ampliar a emoção pretendida em cada caso, é muito marcada pela solidão nos excelentes temas de Gustavo Santaolalla.

O melhor para nós brasileiros é claro, a dublagem na nossa língua materna. Que aumenta por aqui a cada novo lançamento. E ai me ponho a lembrar ainda a época dos velhos consoles de 16 bits (Megadrive e Supernintendo), quando meu fraquíssimo inglês era um obstaculo para avançar em jogos mais complexos como o meu preferido gênero de RPG's. Isso me fazia perder um tempo precioso por não entender  os diálogos nem mesmo os lidos. A qualidade da dublagem é impecável e se mescla de forma perfeita a cenas do jogo mesmo quando elas não estão focadas nos personagem. A linguagem pesada não sofreu nenhum tipo de censura o que só aumenta o nível de imersão para os gamers brasileiro. Felizmente isso está a se tornar rotina para os estúdios de games, algo que tem a ver com respeito a uma importante parcela de consumidores de videogames. 



A polêmica as semelhanças entre Ellie e a atriz Ellen Page.
Tenho pena de não poder falar mais profundamente sobre as personagens, os escritores devem ter-se divertido imenso na construção da personagem de Ellie por exemplo. Os videojogos foram, e ainda são em grande medida muito limitados acerca do que podem mostrar no desenvolvimento de uma personagem. Alguns escritores têm apenas algumas cinemáticas para o fazer, ou algumas linhas de diálogo, por vezes têm mesmo que fazê-lo apenas utilizando a ação.

A forma como The Last of Us comunica utilizando personagens tão diferentes é sublime, pessoas que acabam por se marcar mutuamente e nos fazem sentir a transformação, acompanhar o seu crescimento. É uma história linear, contada da forma que a Naughty Dog determinou, mas que nos mostra um lado cru da humanidade, um lado que pode ser negro, mas que carrega em si uma lição sobre o significado da palavra esperança. Estamos sempre preparados para o pior, mas continuamos a esperar o melhor, isso é "ser" humano.


Confesso que quando terminei a campanha, a minha ideia foi que tinha sido curto, depois fui ver o tempo de jogo, 15 horas e 53 minutos, fazer o jogador perder a noção de tempo é mesmo uma das características dos bons jogos. Não sei se é o melhor desta geração, isso depende sempre do que procuram num jogo, é sim um verdadeiro exemplo de como montar um mundo credível, com personagens autênticos e nos quais acabamos por investir muito emocionalmente. Despedida em grande da Naughty Dog à atual geração de consolas.

Nota máxima pro game.







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