domingo, agosto 11, 2013

Neil Gaiman - O Oceano no Fim do Caminho, 2013


Putz, faz uma cacetada de tempo que eu não escrevo sobre um livro por aqui, né? Isso por que a nossa querida Daniely Araújo está fazendo um trabalho maravilhoso no quesito literatura na sua sessão Orelha de Livro, um trabalho realmente excepcional. E eu gostaria de pedir licença à Daniely para que eu pudesse me apossar um pouquinho do poder da palavra cedido à ela para falar sobre um dos melhores livros que li este ano (reparou que todo livro que eu leio recebe esse título? Eu escolho bem os mundos imaginários nos quais me aventuro): O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman.

Livro mais recente do autor britânico, responsável por clássicos como Deuses Americanos e Sandman, The Ocean at The End of The Lane começa com o protagonista, um cara de 47 anos, voltando à cidade onde passou a infância para um funeral. No caminho, sem saber exatamente onde ir ou o que fazer, ele decide visitar a casa de uma família de quem foi muito próximo em sua infância: As Hempstock, duas senhoras, uma de meia idade e outra bastante idosa, respectivamente a mãe e a avó de uma amiguinha de infância que ele não vê há quarenta anos.
E é essa visita que traz à tona todos os acontecimentos do livro, tudo o que aconteceu na infância do sujeito, mais precisamente quando ele tinha sete anos e sua família enfrentou a maior crise pela qual já passaram. Uma crise não só financeira, mas estrutural que teve início no exato momento em que, para arrecadar dinheiro, os pais do narrador, então aos sete anos, decidiram alugar seu quarto e realoca-lo para o quarto da irmã mais nova.
O primeiro a alugar o quarto foi um minerador de opala sul africano que já chegou ao lugar de modo brusco: atropelando o gato de estimação que o garoto ganhou de aniversário e, como pedido de desculpas, dando a ele um novo gato, este um psicopata assassino que não gostava de ninguém e só aparecia em casa para comer.
Até aqui Gaiman apresenta personagens, especialmente o principal, o garoto cujo nome nunca é revelado. Sem grandes descrições, sem detalhes demais, tudo o que sabemos sobre o garoto e sobre a família é o que ele mesmo, baseado nas lembranças que traz dos seus longínquos sete anos de idade, nos conta. Até aqui sabemos bastante sobre ele, mas principalmente que ele não sai muito de casa, não tem contato com outras crianças e que gosta mais de livros do que de pessoas. Rola uma identificação imediata, pelo menos comigo rolou.
As coisas começam a ficar estranhas no exato momento em que o minerador que se mudou para o quarto do garoto é encontrado morto dentro do carro da família em frente a uma fazenda que fica a poucos quilômetros da casa onde ele mora. O sujeito roubou o carro, foi para a fazenda e se matou lá dentro. E graças a esse acontecimento que o garoto conhece a família Hempstock e, principalmente, Lettie, uma menina de onze anos que vive na fazenda com as duas senhoras já mencionadas.
O garoto e Lettie tornam-se amigos imediatamente, uma amizade estranha baseada na curiosidade do garoto sobre a menina que fala sobre coisas estranhíssimas com uma naturalidade absurda, como se fosse algo que todo mundo soubesse. E ele logo descobre que ela e as duas com quem divide a fazenda sabem mais sobre a morte do minerador que a própria polícia e que essa morte é bem mais bizarra do que parece.
O tempo todo o protagonista e o leitor estão na mesma posição de observadores e, enquanto o garoto não compreender o que está acontecendo ali, o leitor também não compreenderá. Um sentimento de confusão que vai diminuindo gradativamente à medida que as Hempstock vão ganhando mais destaque na trama, à medida que Lettie vai dando pistas displicentes sobre o que está acontecendo ali.
E então, quando finalmente cai a ficha, percebemos que estamos em um universo tão bem sacado, tão bem amarrado e construído quanto o de Deuses Americanos, no qual Gaiman pega o mundo que conhecemos, o mundo no qual vivemos, e adiciona uma dose sutilmente distribuída de fantasia e magia. Uma dose sutil que faz toda a diferença em relação ao mundo que temos como “real”.
É quando finalmente compreendemos de forma bastante superficial (é algo muito mais complexo que as pouquíssimas páginas do livro podem mensurar) quem são as Hempstock, o que elas fazem, o que faz delas pessoas tão importantes e, por fim, quando nos damos conta de que “O Oceano” não é um livro sobre o garoto sem nome, apesar de ele ser o protagonista e ser extremamente importante à trama. É um livro sobre as três mulheres Hempstock.
O que fica bem claro quando, ainda no meio da confusão inicial, Lettie leva o garoto a um lugar além dos limites da fazenda, onde o céu tem outra cor, o vento se move diferente, onde criaturas brotam do chão e onde coisas estranhas habitam e espreitam e, chegando lá, os dois dão de cara com algo que, a princípio, identificam como uma lona antiga, uma barraca ou algo do tipo.
O primeiro vislumbre que temos da criatura que Lettie e o garoto enfrentarão no decorrer da trama é esse: um ser disforme, feito de pano velho e rasgado que habita o mundo entre os mundos. Um ser furioso e vingativo que ameaça e pragueja, mas logo é derrotado por Lettie, sem grandes esforços.
E é aqui que temos uma primeira ideia de quem é Lettie Hempstock, o que nos remete imediatamente a bruxaria, mandinga ou, pelo sotaque que a garota adquire repentinamente, vodu. Aquela coisa meio Chave Mestra, saca? Lettie, para derrotar o ser, recita palavras antigas em forma de música de roda, palavras desconhecidas e impronunciáveis, que ela mais tarde revela ser a palavra da criação, o vocabulário usado para criar e destruir tudo o que existe e já deixou de existir. As Hempstock são antigas, a menina fala ter “onze anos há muito tempo”, a avó diz até se lembrar da noite da criação da lua...
E, após o trabalho feito os dois voltam para casa, sem danos maiores, sem ferimentos, mas o garoto está com a cabeça cheia de ideias, cheia de perguntas sem respostas e com um bicho no pé. Um verme que se enfiou no pé do garoto enquanto ele estava naquele lugar com Lettie. Ele arranca o bicho fora e o joga pelo ralo em um dos momentos mais angustiantes do livro, o que deveria permitir que ele pudesse, a partir daquele momento, ter uma vida novamente normal.
Mas isso não acontece: logo em seguida os pais do garoto recebem a visita de Ursula Monkton, uma mulher elegante que vem de outras terras se hospedar no quarto do garoto e, como forma de pagamento, é contratada pela mãe dele para tomar conta dos dois filhos.
Não tarda até que Ursula revele quem ela realmente é: a coisa feita de pano que fugiu de seu mundo usando o garoto como portal. Ursula é o verme.
E ela faz da vida do moleque um inferno, domina os pais do garoto, os dobra à sua vontade, obriga os dois a fazerem coisas absurdas, o pai do garoto enlouquece por completo, chegando ao extremo de quase matar o filho, trair a esposa com Ursula, fica maluco mesmo.
E, para piorar, Ursula impede o garoto de sair de casa e recorrer à ajuda de Lettie, obrigando-o a enfrentar sozinho um inimigo invencível em um mundo cujas regras são completamente desconhecidas.
O Oceano no Fim do Caminho é um livro curtinho, pouco mais de 200 páginas, mas que tem um conteúdo condensado que renderia uma série literária de vida longa. Seus personagens são fantásticos e extremamente ricos, um monte de culturas, mitologias e referências misturadas que dão origem a pessoas extremamente críveis, totalmente reais dentro do contexto, dentro da “fantasia” de Gaiman. O livro tem uma mitologia completa que pode até fazer ligação com outras obras do autor, obras como Coraline (vilões feitos de pano que habitam mundos que são o nosso, mas não são o nosso) e Deuses Americanos, Sandman até, por que não?
História fantástica, personagens lindos, cara! As três Hempstock tem tanto potencial e todo ele é aproveitado de uma forma tão brilhante, tão sutil e sem exageros narrativos comuns a livros de fantasia, dá um prazer imenso de ler tudo o que é referente a elas na história. O protagonista em si é ótimo também, é muito bacana ver todo o desdobramento através dos olhos do menino (que é claramente baseado no próprio autor), mesmo que o crescimento dele como personagem seja pouco (afinal é um garoto de sete anos e o livro se passa em poucos dias) e em certos momentos ele seja um mero recurso narrativo (e em outros ele tenha espaço para mostrar a que realmente veio). O Oceano é repleto de metáforas, cheio de sabedoria, cheio de lições. O próprio oceano que dá título à obra é uma metáfora gigantesca: é um lago que Lettie insiste em dizer que é um oceano, situado na parte de trás da casa onde as três moram. Em certo momento esse “oceano” é parte de uma das passagens mais fantásticas do livro, quem ler saberá do que estou falando.
Pode parecer que eu falei tudo do livro, que dei spoiler pra caramba, mas não: vão com fé, eu não contei um décimo dessas 208 páginas, eu não conseguiria nem em 210 páginas falar de um décimo dessa história fantástica com que o espetacular Neil Gaiman decidiu nos presentear.
É uma coisa quase Miyazaki, aquele universo cheio de regras que vão se explicando por si só, cheio de personagens sábios com poderes fantásticos que fazem todo o sentido naquele mundo desconhecido no qual vivem: o nosso mundo.

Surtei. Surtei bonito, escrevi por duas mais de horas seguidas, já anoiteceu e os mosquitos tão me devorando vivo. Fico por aqui por hoje, fiquem de olho que o dia não acabou! Hoje ainda tem cinema, música e... Bati as três horas escrevendo, chega!

PS.: E como não podia faltar, mais uma propaganda gratuita do Submarino Nosso de Cada Dia, esse site que só me deixa mais pobre. Você pode comprar o livro >AQUI<



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