Dia 156 - Felipe Pereira 151
Os Olhos do Dragão é surreal por sua própria natureza (és
belo, és risoooonho). Stephen King! Sabe quem é? O maior escritor de terror e
suspense da atualidade. King é para o seu tempo o que Edgar Alan Poe foi na sua
época (exceto que King é rico e reconhecidamente talentoso e não passou a fazer
sucesso apenas depois de morto). O mestre do terror atual e o maior e mais
famoso expoente vivo desta vertente. Seus maiores sucessos são nessa linha de
escrita, livros mundialmente conhecidos e consagrados. Obras que originaram
clássicos do cinema de horror, como O Iluminado, O Nevoeiro, Carrie – A Estranha,
e algumas bombas inacreditáveis originadas por um entendimento limitado, para
não dizer medíocre, de sua obra. E alguns filmes meia boca, daqueles que não
são terríveis mas também não são muito bons.
Eu sou um leitor recente de SK, apesar de ser um
admirador antigo, só dei início a minha (viciante) maratona Stephen King de uns
tempos pra cá.
Então o cara, com sua carga de horror/terror me surge com
Os Olhos do Dragão (The Eyes of the Dragon, 1987), um (teoricamente) conto de
fadas para crianças escrito e dedicado a sua filha pequena. O que você pensa de
algo assim? Escritores consagrados que fazem incursões no mundo da literatura
infantil não costumam ser extremamente felizes, rendem obras desnecessárias e
duvidosas, costumeiramente caça níqueis.
Não é o caso aqui. Se você não se sentiu atraído pela
ideia de conto de fadas infantil, não se deixe enganar. Os Olhos do Dragão não
tem nada de conto de fadas, tampouco de infantil. Certo, não é tão sombrio
quanto costumam ser as obras habituais de King, é escrito de uma forma bem mais
leve e humorada, não carrega tanto em suspense ou bizarrices, mas
definitivamente não é um livro que você deva ler para seu filho de 5 anos.
A história acompanha a família real de Delain, num período
medieval fantástico estilo capa e espada. Delain é um reino pacato que durante
muito tempo foi governado por uma rainha viúva, a mãe de Rolland, que governou
até que o filho estivesse tão velho que não sentisse mais interesse por
encontrar uma rainha para governar a seu lado. Eis que a mãe morre e Roland
precisa fazer exatamente isso: encontrar alguém que lhe renda um filho, um
herdeiro do trono.
O problema é que Rolando não gosta muito de mulheres. Não
que ele beije rapazes, o cara simplesmente não curte a ideia de ir para a cama
com uma mulher, acha o ato sexual pouco atraente, não curte muito contato
humano. E também não é o mais inteligente dos seres humanos, não é educado, não
se comporta exatamente como um rei, não é bonito, mas é bem intencionado.
E durante os anos que ele governa Delain o reino não se torna
um lugar mais nem menos especial por isso. É um lugar bacana de se morar, é
calmo e não se envolve em guerras, nem nada... É tipo o Brasil, nem fede nem
cheira e tem um governante meia boca que não faz nada de incrível, mas não
avacalha explicitamente com a população.
Porém Roland conhece uma mulher realmente encantadora que
o faz repensar seus gostos duvidosos e abrir uma exceção sobre aquela história
de não ir para cama com uma mulher. Seu nome é Sacha e ela é apresentada ao rei
por seu conselheiro real, um mago sombrio e de intenções pouco nobres, já volto
a falar dele.
Sacha é uma mulher incrível, sangue nobre corre em suas
veias, ela é bem educada, instruída, linda e compreensiva e ela logo dá a
Roland seu primeiro filho: Peter. E graças à educação que ela dá ao garoto ele
herda tudo de bom que há nela. Peter cresce e todos veem nele seu futuro rei, o
garoto é um governante nato e, diferente do pai, será um daqueles reis que
fazem diferença. Então nasce o segundo filho de Sacha e Roland: Thomas. E, por
conta dos eventos que foram desencadeados por seu nascimento, ele s torna uma versão
jovem do pai: um banana.
O conselheiro do rei é um bruxo sinistro, uma criatura absolutamente
obscura e de propósitos duvidosos, vive em Delain há décadas e não envelheceu
um dia sequer. Sua reputação é tão terrível quanto sua imagem e, por todo o
reino, boatos sobre ele se espalham. Boatos que logo se tornam lendas e, por
sua vez, terríveis histórias que os pais contam para assustar seus filhos.
O feiticeiro foi quem trouxe Sacha para dentro do
castelo. Fez isso por que ela parecia-lhe inofensiva, não seria o tipo de
mulher que iria interferir em seus planos, fossem lá o que fossem. O problema é
que a mulher sai do controle do bruxo, praticamente tomando seu lugar como
conselheira real. E o Rei se torna perdidamente apaixonado por ela. Então,
quando a moça está dando à luz a seu segundo filho, ele convence ($$$) a
parteira a matar a mulher injetando-a um veneno.
E assim se finda a vida de Sacha e, longe de seus
ensinamentos, o jovem Thomas crescerá e se tornará alguém completamente
diferente do irmão mais velho.
Os dois jovens crescem, Delain segue sua vidinha mediana
sob o comando do Rei Roland, o bom, e tudo parece correr bem, mas o feiticeiro ainda
tem planos para o reino. Ele quer ser mais que um mero conselheiro, ele quer
governar!
E a cada dia que passa Peter, o filho mais velho do rei,
se torna confiante e poderoso, alguém cada vez mais perigoso para seus planos. Enquanto
Thomas cresce um garoto triste e confuso, por vezes ele é quase mau, porém
totalmente manipulável.
Para o bruxo, se Rolando, por acaso, viesse a morrer
Peter seria uma péssima opção para rei. Por que ele governaria bem, seria
totalmente ciente e não precisaria de um conselheiro dizendo que ações tomar. E
Delain seria um reino próspero por muitos e muitos anos...
Não que ele tenha planos para matar o rei... Mas ele tem.
E ele mata, Thomas vê tudo e ele joga a culpa pra cima do príncipe Peter, que
vai parar na prisão deixando o trono livre para Thomas e o caminho livre para o
bruxo exercer sua influência sobre o jovem e tosco novo rei: Thomas, o portador
da luz.
Peter fica preso durante anos, Thomas governa e quase
leva Delain à ruína absoluta, o reino de bom e pacato se torna triste e sombrio.
Impostos abusivos tomam a propriedade de muitos, forçando-os ao exílio,
fazendo-os partir para não morrer de fome. Muitos dos que ficam morrem pela
guilhotina. O jovem rei é cego e imaturo, o bruxo o domina como a um boneco.
Enquanto isso o rei por direito de Delain amarga na
prisão, sofrendo os mais diversos tipos de humilhação, até o momento em que
decide tomar uma atitude: ele espanca o carcereiro chefe até que o coitado não
se mova mais e, naquele momento, mesmo em seu cárcere, ele assume entre os
guardas e o carcereiro, seu lugar de direito: Peter é o verdadeiro rei daquele
lugar e todos ali dentro sabem disso.
O problema é o óbvio: Peter está preso. Mas sabe que o
reino está indo de mal a pior e, mais cedo ou mais tarde, o povo vai se rebelar
contra seu irmão e mata-lo por tudo o que passaram. E o bruxo vai adorar isso!
Mesmo que Thomas tenha tido participação vital na atual situação de Peter, ele ainda
o ama, sabe das limitações e da fragilidade do irmão e odiaria ver isso
acontecendo.
Então ele bola um plano mirabolante para fugir da prisão,
deter os planos do bruxo, provar a própria inocência e tomar o trono que é seu
por direito. Para isso ele conta com a ajuda de amigos leais que tramam sua
libertação do lado de fora da prisão.
Mas não há tempo a perder: enquanto isso acontece, o
bruxo tem a visão de Peter sendo libertado e retomando o reino. Tomando a coroa
para si. E isso deixa-o em pânico. Na verdade ele sempre teve um certo medo de
Peter, um medo instintivo, um tanto infundado, agora totalmente justificado. Se
ele conseguisse deixar a prisão seu reinado ao lado de Thomas chegaria a um fim
iminente e, obviamente ele não queria isso.
Os olhos do Dragão é um livro excepcionalmente escrito!
Uma obra de um bom gosto e criatividade inegáveis. King tem um ar totalmente
novo ao escrever sobre algo com o qual seu público não está acostumado. Tem um
ritmo frenético em seu terceiro tomo, ganha uma velocidade e uma intensidade
inacreditáveis. Assim como destacado em sua capa traseira, é impossível parar
de virar as páginas.
Peguei OODD num dia desses e em pouco mais de meia hora
havia devorado meio livro e se dependesse de mim teria o finalizado naquele dia
mesmo. Mas o universo medieval criado por King, apesar de não descrito
detalhadamente em todos os seus aspectos, é um daqueles que você quer conhecer
mais e mais, se você simplesmente acaba o livro numa lida só, perde muito da
graça.
O último ato de Os Olhos do Dragão é inacreditável de
tanto que prende o leitor. Em questão de minutos vão-se 50, cem páginas e você
simplesmente não consegue parar de ler, temendo pela vida de nosso herói aprisionado
no alto de uma torre enquanto o vilão, um mago louco e imortal, caminha em sua
direção com um machado a fim de arrancar-lhe a cabeça.
Num mundo (e num hype) de game of Thrones, um mundo
politizado ao extremo no qual todos os seus personagens favoritos morreram ou
foram aleijados, um livro como Os Olhos do Dragão, que preza acima de tudo pela
aventura, sem tramas políticas intrincadas, é um alívio.
Ver seus personagens favoritos vivos no fim das contas é
maravilhoso.
No fim, King até dá ideia de que poderia haver uma
continuação para a história do reino de Delain, mas nada se concretizou.
Mas é muito bacana ver a forma como a história corre, as inserções
que King enfia discretamente em certos pontos (como a Família King que mora na
casa de bonecas, um conto de fadas dentro do conto de fadas).
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