sexta-feira, junho 07, 2013

Sexta das Letras: Os Olhos do Dragão - Stephen King

Dia 156 - Felipe Pereira 151
Os Olhos do Dragão é surreal por sua própria natureza (és belo, és risoooonho). Stephen King! Sabe quem é? O maior escritor de terror e suspense da atualidade. King é para o seu tempo o que Edgar Alan Poe foi na sua época (exceto que King é rico e reconhecidamente talentoso e não passou a fazer sucesso apenas depois de morto). O mestre do terror atual e o maior e mais famoso expoente vivo desta vertente. Seus maiores sucessos são nessa linha de escrita, livros mundialmente conhecidos e consagrados. Obras que originaram clássicos do cinema de horror, como O Iluminado, O Nevoeiro, Carrie – A Estranha, e algumas bombas inacreditáveis originadas por um entendimento limitado, para não dizer medíocre, de sua obra. E alguns filmes meia boca, daqueles que não são terríveis mas também não são muito bons.
Eu sou um leitor recente de SK, apesar de ser um admirador antigo, só dei início a minha (viciante) maratona Stephen King de uns tempos pra cá.
Então o cara, com sua carga de horror/terror me surge com Os Olhos do Dragão (The Eyes of the Dragon, 1987), um (teoricamente) conto de fadas para crianças escrito e dedicado a sua filha pequena. O que você pensa de algo assim? Escritores consagrados que fazem incursões no mundo da literatura infantil não costumam ser extremamente felizes, rendem obras desnecessárias e duvidosas, costumeiramente caça níqueis.
Não é o caso aqui. Se você não se sentiu atraído pela ideia de conto de fadas infantil, não se deixe enganar. Os Olhos do Dragão não tem nada de conto de fadas, tampouco de infantil. Certo, não é tão sombrio quanto costumam ser as obras habituais de King, é escrito de uma forma bem mais leve e humorada, não carrega tanto em suspense ou bizarrices, mas definitivamente não é um livro que você deva ler para seu filho de 5 anos.
A história acompanha a família real de Delain, num período medieval fantástico estilo capa e espada. Delain é um reino pacato que durante muito tempo foi governado por uma rainha viúva, a mãe de Rolland, que governou até que o filho estivesse tão velho que não sentisse mais interesse por encontrar uma rainha para governar a seu lado. Eis que a mãe morre e Roland precisa fazer exatamente isso: encontrar alguém que lhe renda um filho, um herdeiro do trono.
O problema é que Rolando não gosta muito de mulheres. Não que ele beije rapazes, o cara simplesmente não curte a ideia de ir para a cama com uma mulher, acha o ato sexual pouco atraente, não curte muito contato humano. E também não é o mais inteligente dos seres humanos, não é educado, não se comporta exatamente como um rei, não é bonito, mas é bem intencionado.
E durante os anos que ele governa Delain o reino não se torna um lugar mais nem menos especial por isso. É um lugar bacana de se morar, é calmo e não se envolve em guerras, nem nada... É tipo o Brasil, nem fede nem cheira e tem um governante meia boca que não faz nada de incrível, mas não avacalha explicitamente com a população.
Porém Roland conhece uma mulher realmente encantadora que o faz repensar seus gostos duvidosos e abrir uma exceção sobre aquela história de não ir para cama com uma mulher. Seu nome é Sacha e ela é apresentada ao rei por seu conselheiro real, um mago sombrio e de intenções pouco nobres, já volto a falar dele.
Sacha é uma mulher incrível, sangue nobre corre em suas veias, ela é bem educada, instruída, linda e compreensiva e ela logo dá a Roland seu primeiro filho: Peter. E graças à educação que ela dá ao garoto ele herda tudo de bom que há nela. Peter cresce e todos veem nele seu futuro rei, o garoto é um governante nato e, diferente do pai, será um daqueles reis que fazem diferença. Então nasce o segundo filho de Sacha e Roland: Thomas. E, por conta dos eventos que foram desencadeados por seu nascimento, ele s torna uma versão jovem do pai: um banana.
O conselheiro do rei é um bruxo sinistro, uma criatura absolutamente obscura e de propósitos duvidosos, vive em Delain há décadas e não envelheceu um dia sequer. Sua reputação é tão terrível quanto sua imagem e, por todo o reino, boatos sobre ele se espalham. Boatos que logo se tornam lendas e, por sua vez, terríveis histórias que os pais contam para assustar seus filhos.
O feiticeiro foi quem trouxe Sacha para dentro do castelo. Fez isso por que ela parecia-lhe inofensiva, não seria o tipo de mulher que iria interferir em seus planos, fossem lá o que fossem. O problema é que a mulher sai do controle do bruxo, praticamente tomando seu lugar como conselheira real. E o Rei se torna perdidamente apaixonado por ela. Então, quando a moça está dando à luz a seu segundo filho, ele convence ($$$) a parteira a matar a mulher injetando-a um veneno.
E assim se finda a vida de Sacha e, longe de seus ensinamentos, o jovem Thomas crescerá e se tornará alguém completamente diferente do irmão mais velho.
Os dois jovens crescem, Delain segue sua vidinha mediana sob o comando do Rei Roland, o bom, e tudo parece correr bem, mas o feiticeiro ainda tem planos para o reino. Ele quer ser mais que um mero conselheiro, ele quer governar!
E a cada dia que passa Peter, o filho mais velho do rei, se torna confiante e poderoso, alguém cada vez mais perigoso para seus planos. Enquanto Thomas cresce um garoto triste e confuso, por vezes ele é quase mau, porém totalmente manipulável.
Para o bruxo, se Rolando, por acaso, viesse a morrer Peter seria uma péssima opção para rei. Por que ele governaria bem, seria totalmente ciente e não precisaria de um conselheiro dizendo que ações tomar. E Delain seria um reino próspero por muitos e muitos anos...
Não que ele tenha planos para matar o rei... Mas ele tem. E ele mata, Thomas vê tudo e ele joga a culpa pra cima do príncipe Peter, que vai parar na prisão deixando o trono livre para Thomas e o caminho livre para o bruxo exercer sua influência sobre o jovem e tosco novo rei: Thomas, o portador da luz.

Peter fica preso durante anos, Thomas governa e quase leva Delain à ruína absoluta, o reino de bom e pacato se torna triste e sombrio. Impostos abusivos tomam a propriedade de muitos, forçando-os ao exílio, fazendo-os partir para não morrer de fome. Muitos dos que ficam morrem pela guilhotina. O jovem rei é cego e imaturo, o bruxo o domina como a um boneco.
Enquanto isso o rei por direito de Delain amarga na prisão, sofrendo os mais diversos tipos de humilhação, até o momento em que decide tomar uma atitude: ele espanca o carcereiro chefe até que o coitado não se mova mais e, naquele momento, mesmo em seu cárcere, ele assume entre os guardas e o carcereiro, seu lugar de direito: Peter é o verdadeiro rei daquele lugar e todos ali dentro sabem disso.
O problema é o óbvio: Peter está preso. Mas sabe que o reino está indo de mal a pior e, mais cedo ou mais tarde, o povo vai se rebelar contra seu irmão e mata-lo por tudo o que passaram. E o bruxo vai adorar isso! Mesmo que Thomas tenha tido participação vital na atual situação de Peter, ele ainda o ama, sabe das limitações e da fragilidade do irmão e odiaria ver isso acontecendo.
Então ele bola um plano mirabolante para fugir da prisão, deter os planos do bruxo, provar a própria inocência e tomar o trono que é seu por direito. Para isso ele conta com a ajuda de amigos leais que tramam sua libertação do lado de fora da prisão.

Mas não há tempo a perder: enquanto isso acontece, o bruxo tem a visão de Peter sendo libertado e retomando o reino. Tomando a coroa para si. E isso deixa-o em pânico. Na verdade ele sempre teve um certo medo de Peter, um medo instintivo, um tanto infundado, agora totalmente justificado. Se ele conseguisse deixar a prisão seu reinado ao lado de Thomas chegaria a um fim iminente e, obviamente ele não queria isso.

Os olhos do Dragão é um livro excepcionalmente escrito! Uma obra de um bom gosto e criatividade inegáveis. King tem um ar totalmente novo ao escrever sobre algo com o qual seu público não está acostumado. Tem um ritmo frenético em seu terceiro tomo, ganha uma velocidade e uma intensidade inacreditáveis. Assim como destacado em sua capa traseira, é impossível parar de virar as páginas.
Peguei OODD num dia desses e em pouco mais de meia hora havia devorado meio livro e se dependesse de mim teria o finalizado naquele dia mesmo. Mas o universo medieval criado por King, apesar de não descrito detalhadamente em todos os seus aspectos, é um daqueles que você quer conhecer mais e mais, se você simplesmente acaba o livro numa lida só, perde muito da graça.
O último ato de Os Olhos do Dragão é inacreditável de tanto que prende o leitor. Em questão de minutos vão-se 50, cem páginas e você simplesmente não consegue parar de ler, temendo pela vida de nosso herói aprisionado no alto de uma torre enquanto o vilão, um mago louco e imortal, caminha em sua direção com um machado a fim de arrancar-lhe a cabeça.

Num mundo (e num hype) de game of Thrones, um mundo politizado ao extremo no qual todos os seus personagens favoritos morreram ou foram aleijados, um livro como Os Olhos do Dragão, que preza acima de tudo pela aventura, sem tramas políticas intrincadas, é um alívio.
Ver seus personagens favoritos vivos no fim das contas é maravilhoso.

No fim, King até dá ideia de que poderia haver uma continuação para a história do reino de Delain, mas nada se concretizou.
Mas é muito bacana ver a forma como a história corre, as inserções que King enfia discretamente em certos pontos (como a Família King que mora na casa de bonecas, um conto de fadas dentro do conto de fadas). 
Outra coisa, eu não sei se você reparou, mas eu não mencionei o nome do vilão do livro, isso foi proposital. O vilão, o mago regicida, é um velho conhecido dos leitores de Stephen King, um tal de Flagg... Conhece?


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