domingo, maio 26, 2013

Cidade das Sombras

Dia 146 - Felipe Pereira 141
Dark City - 1998
Dir: Alex Proyas
Elenco: Rufus Sewell, William Hurt, Kiefer Sutherland

Depois de falar sobre um disco tão bad motherfucker quanto esse não dava pra falar de um filme meia boca. Minha vontade era de falar de Matrix, mas já foi falado sobre este por aqui. Inception, talvez? Não, também já foi. Eis que em minha mente vem aquela pontada, aquela lampadazinha se acende no topo da minha cabeça...
Vocês já ouviram falar de Cidade das Sombras?
Não? Sério? Mesmo? Tem certeza?
Ok, ok...
Depois do lançamento de Matrix uma pá de filmes surgiu com o propósito de ser melhor que a obra máxima dos irmãos (até então irmão e irmão) Wachowski, substituir e soterrar o misto quente poético/filosófico dos caras. Equilibrium foi um deles. Em seu pôster havia nada menos que “ESQUEÇA MATRIX” em letras garrafais e nada amigáveis e, quando você vê o filme estrelado por Christian Bale percebe que as coisas não são bem assim. Outro? 13º andar, basicamente a mesma coisa. O mais ofensivo de todos foi o épico trash Ultravioleta, coincidentemente do mesmo diretor de Equilibrium, mas uns três níveis abaixo da barreira do mau gosto e um pouquinho depois da falta de noção. Um dia falo dele aqui.
Porém, o que poucos sabem é que, um ano antes do lançamento do clássico moderno e divisor de águas (sempre quis usar esse termo) que foi The Matrix, os cinemas recebiam a Dark City, do diretor Alex Proyas, mesmo diretor de O Corvo e (não o condenem por isso) Eu, Robô.
Na trama um sujeito (Ruffus Sewell) acorda sem memórias em um lugar e se depara com o corpo de uma mulher nua e horrivelmente marcada jogado no chão em meio a um quarto destruído onde, visivelmente, uma vítima resistiu a um assassino (CSI mode on). Ele sai da cena do crime quando um grupo de homens totalmente bizarros (entre eles um molequinho esquisito bagarai) chega ao local, o cara não espera pra saber o que eles querem sai de lá na hora. Não fosse suficiente o cara, John Murdoch, passa a ser procurado por um investigador (John Hurt) como principal suspeito não só do assassinato daquela mulher, como o de muitos outros.
Há esse segmento meio noir de filme de assassino, mas a trama se direciona a um caminho diferente de modo que essa coisa dos assassinatos se torna algo meio secundário, personagens são apresentados, alguns deles com importância vital ao roteiro e eles são extremamente bem explorados, porém o filme faz algo que eu gosto demais, tem efeito que eu acho muito interessante: ele faz uso dessa história e desses personagens para apresentar uma teoria (uma visão própria, na verdade, de uma teoria já difundida) de modo que, com o passar do tempo (de anos até mesmo) essa história e esse personagem tornem-se meros recursos do roteiro para sustentar essa teoria.
Matrix fez isso também, mas apresentou personagens que ficaram marcados na cultura pop, Inception fez isso, até Equilibrium (ao contrário do que dizem, não é um filme ruim, apenas pretensioso demais) fez isso, mas eu não lembro de nada dele. Aqui a teoria prevalece.
E que teoria é essa?
Muito básica, bastante explorada pelo cinema e literatura (e games e músicas, séries, 01Pd, sua dose diária de Cult... não, pera...), uma teoria que diz que a realidade como conhecemos talvez não seja tão real quanto acreditamos, talvez haja algo maior e mais inteligente (ou ao menos menos estúpido) que nós que a controle e a modifique a seu bel-prazer, nos mostrando coisas que não são reais, nos fazendo acreditar em “verdades” e controlando cada passo que nós damos. No filme um grupo de pessoas faz isso com o intuito de aprender sobre nós, compreender-nos como humanos... Por que? Ah, meu filho, eu não vou estragar tudo... Nossos pensamentos, nossa força vital, nosso sonhos... Eles modificam a tal cidade das sombras todas as noites enquanto as pessoas dormem, mudam as casas, a estrutura das ruas, o tempo no qual elas se situam, mudam pessoas de famílias e, por fim, injetam-lhes todas as noites memórias sintetizadas por um cientista chamado Daniel Schreber (Kiefer Sutherland). O que eles não esperavam é que em uma das pessoas dessa cidade em que sempre é noite, essas memórias sintetizadas não fossem surtir o efeito esperado e, pior ainda, fossem apagar tudo o que o sujeito supostamente deveria lembrar, fazendo-o ir numa jornada para descobrir quem ele é e, de tabela, descobrir meio que sem querer o que acontece à cidade enquanto todos dormem...
Esse sujeito é John Murdoch. E Murdoch acaba por descobrir algo que muda tudo: ele descobre que ao adquirir consciência sobre aquele mundo, ao adquirir conhecimento pleno sobre aquela realidade, ele adquire poder sobre ela. Poder para agir como quiser sobre ela.
A parte mais interessante da teoria aqui mostrada é quando ela diz que quando você adquire essa ciência, você é capaz de bater de frente com “deuses”. Você se torna uma espécie de deus, por que o é Deus senão um de nós que adquiriu um conhecimento total e infinito sobre si mesmo e sobre tudo o que pode fazer? O que nos impede de obter esse conhecimento e o que nos impede de sermos deuses também? O que nos impede de usar todo nosso potencial cerebral e o que acontece quando (ou se) nós formos capazes de fazê-lo?
Cidade das Sombras não tem o glamour de Matrix, não tem o estilo de Matrix, nem a mesma carga referencial, mas só de ver o desenvolvimento da trama, ver os rumos que ela toma, você percebe que ela exerce uma influência monstruosa sobre a saga dos irmãos Wachowski, que a ideia aqui demonstrada foi no mínimo embrionária para o que veio a se tornar Matrix.
Não estou aqui para dizer quem é melhor que quem, nem ficar fazendo comparações às tramas, mas para apresentar a você, que nunca ouviu falar de Dark City, algo que vai te fazer pensar.
Quando vi DC pela primeira vez eu não o compreendi totalmente. Se tem algo que pode-se dizer que ele é maior que Matrix é em complexidade. Aqui não tem um Morpheus para explicar o por trás das cortinas, aqui não tem as lutas coreografadas para atingir o público menos desperto, o que temos é uma ideia que não é explicada explicitamente. Eu chegaria a dizer que o próprio protagonista chega ao fim de sua jornada sem compreendê-la por completo. Mas não é nem de longe um filme incompreensível, ele simplesmente não se explica minuciosamente, tudo o que você precisa para compreendê-lo está lá! Mas é preciso pensar enquanto ele se projeta na tela, as engrenagens precisam estar a todo vapor.
Eu ainda hoje não peguei a ideia ao todo, Dark City continua me atormentando em meus momentos de ócio, por vezes, de uma hora pra outra eu me pego pensando na história e percebo algo que não percebi antes e isso me deixa orgulhoso pra caramba de mim mesmo. É algo que ecoa por anos na cabeça de quem vê.
O final tem uns efeitos meio cretinos (mesmo para a época), é meio agressivo aos olhos, mas é totalmente pertinente e, mesmo que soe um tanto conformado, eu quero que você se pergunte se, você, como ser humano, com a vida que você acredita ser sua, teria tomado uma decisão diferente?
Vá, veja, exploda sua cabeça, volte aqui e me responda.

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