O mar quebra pela orla, vago,
Os sóis gêmeos afundam sob o lago,
As sombras se alongam
Em Carcosa.
Estranha é a noite em que estrelas negras sobem,
E estranhas luas o céu percorrem
Mas ainda mais estranha é a
Perdida Carcosa.
Que morra inaudita,
Onde o manto em retalhos do Rei se agita;
A canção que entoarão às Híades na
Obscura Carcosa.
Canção de minh’alma, minha voz é finada;
Morra sem ser entoada, como lágrima jamais derramada
Seca e morta na
Perdida Carcosa.
“Canção de Cassilda” em O Rei de Amarelo, ato I, cena 2
Playlist pequena para acompanhar a leitura. Sugestão, claro. Crie a sua!
O que dizer de um autor que fascinou e foi inspiração para autores como Lovecraft, Robert E. Howard e Stephen King? O que dizer de um autor que produziu uma história baseada em um livro que deixa as pessoas loucas após sua leitura? O que falar de um autor que escreve, de maneira tão simples, criativa e poderosa, um livro de contos que atravessou os séculos e que mantém intacto seu poder?
"O Rei de Amarelo", de Robert W. Chambers, foi escrito no fim do século XIX por um autor tão criativo e dono de um estilo tão único que cativou muitos dos autores de literatura fantástica que vieram depois dele. Podemos dizer, então que "O Rei de Amarelo" foi sua opera maxima. O livro passou um tempo pegando poeira na Biblioteca do Esquecimento, até que foi trazido à tona pelas referências na maravilhosa série "True Detective". Claro que o livro nunca esteve, realmente esquecido... é mais como se ele estivesse adormecido, esperando o momento mais adequado para despertar.
Meu pai, que às vezes acerta em algo que pode ser rico e proveitoso, mostrou-me uma sinopse do livro em uma revista, e eu (confesso minha ignorância, jamais ouvira sobre Chambers e o Rei de Amarelo) peguei-me curioso, ansioso e inesperadamente doido pra por as mãos no livro.
E então em consegui. O livro é dividido em três partes: quatro contos fantásticos, de terror gótico ("O Reparador de Reputações", "A Máscara", "No Pátio do Dragão" e o "Emblema Amarelo"); um conto intermediário, que trata (de maneira belíssima...) de viagem no tempo ("Demoiselle D'Ys"); uma coleção de pequenos versos que falam de amor, perda e morte ("O Paraíso do Profeta"); e a Quadrilogia das Ruas ("Rua dos Quatro Ventos", "Rua da Primeira Bomba", "Rua de Nossa Senhora dos Campos" e "Rue Barré"), onde invariavelmente temos um artista norte-americano em Paris, tendo de lidar com amor, ingenuidade, amigos, inimigos e cinismo.
A primeira parte é chocantemente escura, úmida e assustadoramente encantadora. A atmosfera de loucura e do mal à espreita é simplesmente sufocante, deixando o leitor cada vez mais ansioso e temeroso de seguir em frente. Aqui o romantismo gótico flerta com a distopia, alternando momentos de extremo amor e felicidade com ansiedade mortal e desespero.
Na segunda parte, temos os contos que nos trazem o romantismo de Paris do fim do século XIX, e parte da crua realidade dos que viviam na cidade luz naquela época.
Li algumas críticas sobre o livro após finalizado, mas acredito que poucas pessoas entenderam a amarração das histórias, ou a intenção do autor. Sei que é presunção minha, mas... o tempo inteiro, os personagens vêm e vão entre as histórias (ora aparecendo em dois ou mais contos, ora sendo citados); em todas, o Rei de Amarelo aparece (direta ou indiretamente, através da Guerra, da Miséria, da Morte, do Desespero). Vemos Paris e os Estados Unidos ("As Repúblicas Gêmeas) se intercalando em passagens de tempo, ora no passado, ora no futuro... a genialidade de Chambers te envolve com tal força que você só consegue parar quando termina o último conto, e o sabor que fica é uma saudade cinza e agridoce.
De todos, os meus preferidos são: Todos da primeira parte, "Demoiselle D'Ys", "Rua da Primeira Bomba", "Rua de Nossa Senhora dos Campos" e "Rue Barré". Infelizmente, sou um romântico incurável, embora corrompido pelo cinismo dos anos (e pelo que eu já trazia comigo).
Leitura obrigatória para os fãs de Ambrose Bierce, Edgar Allan Poe, Lovecraft e Stephen King, e para aqueles que conseguem ver o lado podre das coisas "boas" - assim como para os que conseguem achar amor onde só há decomposição.
Vida longa a Robert W. Chambers.
Vida longa ao Rei de Amarelo.
Que delicia de retorno meu amigo! Eu sabia que esta obra não passaria em branco por você. Eu estou fascinado com a referências que vi sobre ela depois de True Detective. Lá, ela vai mais além de uma obra de referência, que viu a série até o fim sabe. Você já deve saber também, mas o livro já se encontra nas livrarias brasileiras. Se não fosse pelo Kvothe está tomando tanto do meu tempo reservado para leitura... Seja bem vindo você que nunca foi embora
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