segunda-feira, maio 13, 2013

Live At Sin-é - Jeff Buckley, ou: Abrace sua mortalidade enquanto se entrega às lembranças.

Michel 125, Dia 133.

Eu já falei que Jeff Buckley é o meu artista preferido? Um músico completo, que mistura sua voz à da guitarra numa unidade perfeita, um poeta onírico com acesso direto ao seu gêmeo malvado, um dos deuses da guitarra, lenda do Rock... Jeff nunca é "só isso": sempre é "tudo isso".


Mas Jeff também é "mais que isso". Ele é anseio, posse, desejo, saudade, limitação, perda, confronto, vida que ruge em fúria, morte impiedosa... escutá-lo é dar ouvidos aos caos faminto que destrói e gera, que consome e constrói. 

Jeff Buckley veio ao mundo; deu-nos sua música e voltou para as águas primordiais.


"Live At Sin-é" é um álbum de 2003, gravado no café Sin-é, em Nova York. Buckley nos entrega aqui sua performance mais intimista e mais visceral. Explosivo, ele se entrega à música sem piedade, sem reservas. Pode-se senti-la possui-lo, dominá-lo, usá-lo como um conduíte vivo. Ele absorve a música e a emana, pegando em suas ondulações o incauto apreciador de música que se julga são e salvo.


Ninguém escuta Buckley e sai inteiro. Perdemos pedaços de nós mesmos, grandes nacos de ego, de máscaras, de maquiagens. Você tenta cantar junto e não consegue acompanhar aquele êxtase, aquele vocal agudo, aquela voz que grita sua própria alma; você tenta encontrar o ritmo certo, entrar na música, mas há um sacrifício a ser feito. Você deve jogar fora sua inocência, suas ilusões e esperanças. Deve abandonar sua ingênua crença de que tudo vai dar certo no final e aceitar a entropia natural das coisas, o decaimento, a degradação inerente a tudo o que existe.

Para ser um fã de Buckley, você deve destruir aquela pequena luminosidade egoísta que vive dentro de você e aceitar algo em troca que é mais verdadeiro do que a imagem do espelho. Algo que é sombrio e úmido, mas que traz em si uma essência mais real e mais profunda. Deve-se encarar de frente a sombra que habita em nós e abraçá-la. Deve-se amá-la, aceitá-la, dar-lhe voz, audição e visão.

"O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima".

"This is a song about... it's not about another dream, but... it's about not feeling so bad about your own mortality when you have true love."

Não é fácil, nem próximo ou superficial. As distorções de Buckley nos levam a profundezas e distâncias que não são seguras nem agradáveis. Visita-se em sua música a textura de cemitérios e arco-íris, de pele morta e de sorrisos, de amor e de traição. Caminha-se em nuvens de sonho enquanto raios e trovões ribombam; as paredes sangram, as vozes falam coisas que não têm sentido...


- Repentinamente você chora junto com a lembrança doce do primeiro beijo, do primeiro término de namoro, do desespero de ter que deixar ir quem você amou com tanta dedicação. Ao mesmo tempo você ri lembrando do vento no rosto enquanto ia à praia quando tinha seis anos, e do cheiro da maresia, do sabor do peixe, do sal na água, a dor de ralar o joelho, o medo de arrancar um dente, a primeira desilusão amorosa, o medo de ser descoberto após uma mentira bem arquitetada, o dilema de pular ou não da beirada para dentro d'água, a brincadeira de mau gosto dos amigos, o tapinha de orgulho do pai, o primeiro sorriso dos filhos, o abraço da mãe, o primeiro "eu te amo/eu também"... -


Coisas tão humanas, tão comuns, tão... indescritíveis, contidas na música deste que foi - é e será - um dos maiores músicos de todos os tempos.

Aqui, neste disco, está a minha história de vida do primeiro até o último dos dias. Cantado em forma de profecia, de protesto, de cançao desesperada, de segredo e de história para dormir, uma mandala de mantras, um terremoto sonoro, um impacto na alma, um remexer de partículas nas profundezas do Eu.

Vá fundo em sua caverna e encontre-se nu, indefeso, impotente. Ria de sua pequenez, depois volte para a superfície e ria. Ria do vento, das flores, da areia, do sol, da chuva, do movimento das coisas, do céu, das cores, do cheiro de comida e de suor.

Seja.

*     *     *

Obrigado, Jeff Buckley.


Boa noite e até amanhã.

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